sexta-feira, 4 de março de 2016

A defesa do pai Lula


O bandido decente e o bandido indecente são personagens de muitos filmes. O decente usa terno e gravata, faz seus negócios em restaurantes caros e em carros pretos com vido fumê. Fala baixo, é sempre discreto, de modo a não ser notado por outra coisa senão pela aparência de confiável.

O bandido indecente usa camisa aberta e passa o dia falando alto, em pequenos grupos localizados em pontos próximos a loterias ou pontos de táxi. Está sempre com um celular preso à cintura, e com um copo de cerveja preso à mão. A quem passa perto, não disfarça que está falando de um negócio que não deu certo ou de uma cobrança feita, geralmente resultado na morte ou, no mínimo, na tortura ou no desmembramento de alguém.

O bandido decente não tem origem popular, e almeja ter o que em qualquer lugar do mundo é considerado um bem de luxo. Este luxo tem a característica da exclusividade: poucos sabem apreciá-lo, reconhecer o seu valor. O bandido indecente tem origem popular, e almeja ter o que na sua cultura é considerado "de vida boa": uma cobertura de frente à praia, um carro caro e uma viagem à Europa.

Do bandido decente não se suspeita. Quando ele recebe uma acusação, apresenta-se com um bom advogado. Em nenhum momento se mostra aturdido. Do bandido indecente se suspeitava antes de ele ser acusado, pois o pobre está sempre sob suspeita. E se revolta com isso. Ele conversa à vontade com a polícia, sobre negócios. Mas quando a polícia se comporta como defensora da lei, põe o bandido indecente no lugar do contraventor. O põe pra correr.

Lula sempre foi atacado por beber e pela baixa escolarização. Ataque de quem vive no mundo da decência, que é o mundo legal e ilegal com verniz civilizado, contra o pobre que erra principalmente por não disfarçar sua ilegalidade. Neste dia 4 de março de 2016, Lula foi coagido a acompanhar a Polícia Federal, para depor sobre acusações de recebimento de dinheiro e vantagens de empreiteiras, dentro de um esquema de desvios na Petrobras. Lula vinha se esquivando às solicitações da Polícia para que contribuísse com as investigações.

No Facebook, muitas opiniões circularam, dizendo que a investigação contra Lula é injusta. Um grupo foi criado, nesta rede social, com o nome "Mexeu com o Lula, mexeu comigo", com mais de 30 mil inscritos (https://www.facebook.com/groups/mexeucomlulamexeucomigo/?ref=ts&fref=ts).

Freud, em "Totem e Tabu", conta que, em clãs totêmicos, a vida se organiza com o tabu do assassinato e do alimentar-se do totem, e do incesto. Além de não servir-se sexualmente de nenhuma mulher do seu clã, cada homem tinha o dever de proteger o seu totem da ação violenta dos outros membros, dele mesmo e, obviamente, de indivíduos pertencentes a outros clãs.

O totem é um animal, um lugar ou uma pessoa que protegem e dão identidade e história ao clã. Freud entendeu que o totem era o substituto de um pai primevo, que governava tiranicamente a sua horda, e era por todos amado e odiado. Ele expulsava os outros machos, e servia-se sozinho das mulheres da horda.

Certo dia, os indivíduos deram vazão à sua agressividade, e uniram-se para matar o pai. A culpa pela expressão da agressividade fez com que eles sentissem medo de serem punidos. Por isso, ergueram um totem e estabeleceram os preceitos tabu. O respeito ao tabu garantiria que eles não seriam punidos. O tabu também permitia a cada homem manter seus impulsos agressivos e eróticos sob controle, de modo a que ele mesmo não fosse dominado por estes impulsos e, assim, causasse problemas em seu clã.

A mística em torno de Lula é a de que ele é um "pai dos pobres". Ele é o pai primevo, vigente para aqueles que parecem pensar como o homem do período pré-totêmico. O bandido indecente é o primeiro a beber e a cantar uma moça que acaba de ganhar corpo. Entre risos, ele manda dar dinheiro ou uns tiros em alguém, de acordo com a necessidade e a ética dos negócios. Os outros homens, rapazes, perto dele, baixam a cabeça e sonham com o dia em que também serão senhores. Esta é uma caricatura.

A defesa de Lula se faz por pessoas que, geralmente, colocam-no como alguém que trouxe benefícios aos mais pobres. Ele é como um pai que cuida da sua horda, mesmo sendo autoritário. Os que os atacam são membros de outras hordas, por isso, são seus inimigos naturais.

O momento da humanidade em que se matou o pai e, em seu lugar, ergueu-se um totem, mostra uma certa abstração, distanciamento da figura que organiza a coletividade e a vida mental de cada um. O momento posterior, de criação de deuses, foi mais um passo nesse distanciamento. E mais ainda foi o momento de criação de um Estado.

Conforme explicaram Hobbes e Weber, cada indivíduo doou seu uso da violência para uma entidade superior, que a aplicaria, justamente, sob a forma de legislação. Cada criança passou a aprender na família que não podia bater em alguém que lhe pegasse o doce. E aprendia na escola que esta regra servia à boa convivência social. Aprendia também que há uma figura neutra, como a professora ou o juiz, para avaliar as responsabilidades e aplicar as punições.

Ao fazer com que se pensasse em bem comum, leis, infrações e penas, a educação permitiu que cada um aplicasse um raciocínio sobre si mesmo e os próprios impulsos. Esse é o surgimento individual da civilização. Caso um indivíduo assim formado cometa uma infração, a última coisa que ele quer é que os outros vejam. Ele tem consciência do mal que fez, mas não sente a punição como estando próxima.

O homem da horda paterna não possuía vida mental, era puramente físico: uma infração que ele cometesse o fazia ser alvo de dedos apontados, e a punição era um golpe de clava na cabeça. Um totem, por sua vez, é um objeto representante do pai.

Esse simbolismo só foi possível quando o homem foi capaz de perceber que algo podia agir sobre ele sem que estivesse fisicamente diante dele. O totem tinha uma energia misteriosa que rapidamente ocupava o infrator, e o fazia ser perturbado pela certeza de que a punição ocorreria logo.

Com as outras concepções de mundo, como eu falei, a fonte da lei e da punição vai ficando mais distante, e o homem vai desenvolvendo cada vez mais uma elaboração mental sobre essas figuras. O modo animista de pensar era uma demonstração da onipotência do pensamento do homem, ou seja, a certeza de que, se ele pensa com afinco, ocorrem chuvas, guerras, graças ou punições.

Essa onipotência do pensamento persiste como orações aos deuses, quando a humanidade passou a ter o pensamento religioso. Os deuses têm vontades próprias, e planos para o que acontece no mundo e no destino do homem. Mas o homem pode fazer sacrifícios e orações, para influenciá-los.

O modo de pensar que sustenta o Estado não é místico, é uma razão de causas e consequências. O homem é um ser que elabora internamente essas razões. Sua onipotência de pensamento é alojada na expectativa de que estude as bases da sua sociedade, teorize sobre elas e proponha modificações. E destas modificações espera-se que atendam aos interesses de um legislador que se regozije com o próprio brilho, e seja bem pago por ele. Isso é tão importante, embora não tão dito, quanto o aspecto da generosidade, do atendimento ao bem comum do seu trabalho.

Em países como o Brasil, vivemos, entretanto, uma situação de fragilidade das instituições de garantia de direitos e de assistência social. E um aparelho de negócios e benefícios, em grande parte ilegal, que serve a enormes e micro negociantes, e a enormes e micro dirigentes. Muitas vezes o negociante é o mesmo indivíduo que o dirigente. Ele está fisicamente próximo dos que administra. É "companheiro", exerce um forte impacto. É difícil para os outros elaborarem, raciocinarem sobre o que ele faz, sobre o lugar em que ele os coloca.

Lula é o pai de uma horda de oprimidos. Em todos os discursos, quando fala dos ataques que sofre, afirma que é contra o seu grupo que estes ataques se dirigem. O corpo dele é o corpo do povo. Lula disfarça a agressividade, com sua pinta de rudeza. E o caso extra-conjugal, que teve, apareceu timidamente. Mas comanda os negócios do partido (isso não ficou só com o José Dirceu, como se pensava) com empresários. Comanda o coração dos militantes, no Brasil todo.

A elaboração mental que os militantes conseguem ter é o sentimento do pobre eternamente agradecido, e do intelectual eternamente culpado pela existência dos oprimidos. Este rebaixamento dá ódio, lógico, mas este ódio é projetado para os inimigos do pai. Cada um deles se coloca imediatamente em sua defesa, como corpo, mesmo. E um corpo belicoso. Gostariam de terem sido eles próprios os conduzidos à PF.

O Estado está distante, abstrato demais para que eu, com minha falta de estudo, consiga enxergar nele uma possibilidade para realizar meus ideais. Surge um "presidente do povo", alguém em quem posso depositar minhas antigas queixas. Passo, então, a amar alguma coisa: a visão de mundo dele. Minha balança amor-ódio completa sua reequilibração quando eu ganho adversários políticos. Fica fácil, então, sustentar o ódio que sinto pelo autoritarismo desse presidente indecente.

O corpo e a corpo com o líder populista produz um efeito de pai sempre presente, que cala o ódio contra ele e direciona este sentimento para os inimigos externos. E este pai aguça nos filhos o desejo por objetos tão imediatos quanto a comida e o dinheiro, inibindo o sonho em almejar algo melhor. A obediência a esse pai torna-nos um cão que late ferozmente contra o vizinho a quem não conhecemos. E com uma visão que não vai além do amor à ração.

Lula é como Deus de carne e osso: não preciso de nenhuma elaboração para entendê-lo e obedecê-lo; ele me conhece por inteiro, por ser pobre, como eu; sinto-me importantíssimo, influente, por causa desta proximidade; e um ataque que ele sofra chega imediatamente a mim, pois meu corpo é o mesmo que o dele.

10 comentários:

  1. Lula é um bandido...está mais pra Hitler do que pra Deus, manipula o povo pobre que acha que ele,Lula, é um pai..."pai dos pobres e oprimidos"...balela!! Se ele tivesse feito algo, nosso país estaria bem...Não vejo avanço nenhum, não vejo o pobre em situação melhor, com mais educação e saúde...só vejo anseio dele pelo poder.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Anônimo, você disse a mesma coisa que diria antes de ler o texto. Um texto desse, que faz as pessoas pensarem coisas novas, não fez efeito em você. Sua fala é a do ódio puro contra o Lula, a contraparte do que eu disse: se o grupo do Lula identifica todo o mal nos opositores, e lambem o Lula, os opositores são ressentidos, e criticam o Lula pelos ganhos sociais da política dele. É um ódio mesquinho, o seu.

      Excluir
    2. Lula eh perverso e o discurso perverso cria seguidores fanaticos, foi assim com Hitler, Stalin, Chaves e Fidel e tantos outros ditadores. Pol Pot matou tantos e foi venerado, Lula nao eh humilde eh um sindicalista perverso, por isso se sai bem das situacoes de vida que abalariam pessoas normais e comuns, ele nao eh comum eh um psicopata, ninguem pega, nunca falara a verdade, por que nao tem compromisso com a verdade!!!!!

      Excluir
  2. São os petistas que fazem discurso de ódio...vc realmente acha que a classe média/rica é contra os ganhos sociais? O que ela é contra é essa enganação do governo...me diga? O que no Brasil melhorou?

    ResponderExcluir
  3. Texto tão mal escrito,parece feito por uma criança de 6 anos

    ResponderExcluir
  4. Bom texto! Sensato e coerente. Reflete bem o momento psíquico que este povo vive hoje.
    José Carlos

    ResponderExcluir