quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

"Não sou mais sua amiga": o que a criança quer dizer com isso?


O círculo sustentado pelos pólos mãe, pai e criança é um meio aquoso e morno, epor ele flutuam diversos elementos: as coisas que compõem os quartos e a sala, a geladeira e o seu interior, o fogão, os vizinhos da porta da frente, a própria porta de casa, etc. Cada elemento é manejado pelos pólos, e é por eles falado. Não apenas os objetos dentro de casa, também todos os sons e o que se deixa ver, ou sentir de outras formas, é manejado pelas mãos e pela fala dos participantes do círculo. Não há espaço externo concebível pelos participantes. No entanto, de alguma forma temos a experiência do nada.

O rompimento entre feto e placenta fez com que o primeiro tivesse rapidamente que fazer uma nova esfera, para evitar cair no frio e abissal nada. Os ventos frios se fizeram sentir. Entre mãe, pai e criança há promessas trocadas de estabilidade daquele mundo compartilhado. “Vai ficar tudo bem”, diz a mãe para o filho. Com as promessas eles podem ficar de pé, e empurrar um brinquedo, mexer num computador, enfim, podem realizar ações e não viverem petrificados pelo pavor do nada lá fora.

Duas meninas fazem desenhos de princesa. Os lápis de cor são de uma delas. Vão sendo emprestados e circulando de mão em mão. A dona dos lápis desenhou um vestido roxo, com jóias verdes e douradas. Após um tempo, a outra menina fez uma princesa num baile real, cercada do rei, da rainha, do príncipe e usando um vestido roxo, com jóias verdes e douradas. O desenho foi mostrado com orgulho, para a amiga, a menina dona dos lápis. Mas aquele vestido era dela, para ela vestir na princesa, para ela pensar em como usá-lo, e agora havia saído das suas mãos, ganho vida em um desenho no qual ela não tinha nenhuma participação. Ela conhece a possibilidade da perda de objetos; o abandono de certos hábitos; até o afastamento irreversível de pessoas queridas.* Dispara para a outra: “não sou mais sua amiga!”.

O que acontecerá, então? O que elas serão uma da outra? Ela não sabe responder o que há depois do desligamento, pois só conhece o que está ligado. Só se conhece o que a nós está ligado. Entretanto, a menina aborda o desligamento. E o faz ameaçando ser nada para a amiga, retirar dela aquela relação que lhe é tão cara. Ao dizerem “você não manda aqui. Você não manda em mim”, crianças fazem o outro lembrar-se da experiência do nada. Com isso, esperam que ele se apavore e pare de ultrapassá-las na brincadeira.

Thiago Ricardo, psicanalista

*Freud, em um de seus textos, fala da criança no berço a quem diariamente a mãe deixava desacompanhada, para poder trabalhar. A criança chorava, com esse afastamento. Ao brincar com o iô-iô, a criança usava as palavras "fort" "da", ou seja, "vai" e "volta", em alemão. A criança passou a falar "fort", quando a mãe saía, e "da", quando esta retornava. Ao representar desta forma as saídas e chegadas da mãe, usando palavras e associando-as ao movimento de vai e volta, do brinquedo, a criança pôde não mais sofrer com a separação momentânea da mãe. Ela tornou realidade para si mesma que, após sair, a mãe voltaria.

Entra um vento frio: as mudanças das crianças (e dos pais) de 4-5anos


Na barriga de uma mulher grávida, um ser se desenvolve. Esse ser é uma dupla*, que permanece unida por todo o tempo da gravidez: o feto e a placenta. Um é continuação do outro, mas eles são coisas diferentes. Formam uma esfera acalentada e protegida do ambiente externo. No interior da esfera, o ambiente é aquático. Nele há troca de vibrações e sons, os quais serão memorizados pelo corpo do feto. Os estímulos externos, após serem filtrados, também serão armazenados por essa memória primitiva que cada um de nós possui.

Quando nascemos, o bebê perde essa parceria. O mundo é frio e desconhecido. A mãe se oferece, ao mesmo tempo em que o bebê a busca. Ele deita no colo, e o leite morno envolve toda a sua boca, reconfortando-o. Ele permanecerá muito junto da mãe, ou seja, ela também viverá nessa esfera protetora e climatizada. Nos primeiros meses do bebê será muito difícil distinguí-lo totalmente da mãe. A esfera formada por eles comunica-se com o ambiente externo. Da mesma forma que o colo reassegurou ao recém-nascido que ele não ficará sem o lar esférico, a voz da mãe o reconforta de que tudo correrá bem, sempre que um som ou, agora, visão, pareçam ameaçadores. Um promete ao outro que não haverá problemas.
O bebê engatinha, começa a andar, a segurar mais a colherinha na hora de comer, etc. A esfera da qual ele participa tem outros polos, além da mãe: inicialmente vêm o anjo da guarda e o pai, posteriormente vêm as demais pessoas que cuidam. Todos estarão envolvidos no mesmo ambiente, no mesmo clima de quartinho de bebê. A criança já está mais crescida. Ela quer água, e vai abrir a geladeira e pegar a garrafa de vidro. Apesar da ordem proibitiva da mãe, a criança já a viu fazendo a mesma coisa: servindo a si mesma e tudo acabando bem. E, não se esqueça, ela se sente protegida. A criança quer continuar na esfera protetora, mas usa o que armazena de palavras carinhosas e encorajadoras que sempre ouviu, e os exemplos visuais que colecionou, para manipular as coisas com as quais entra em contato. E a geladeira sempre fez parte do seu mundo, não é algo externo e desconhecido. A ameaça do corte, porém, faz a mãe tomar a garrafa da mão da criança. O vidro é terrível, ele cai, quebra e machuca a criança. Como será esse machucado? Ninguém prevê, assim como ninguém espera o acidente da queda de uma garrafa. Mas se quer evitá-los ao máximo. Um acidente afetaria a todos, e, nesse caso específico, a ameaça de corte é tudo o que quem vive muito junto não quer.

Na escola, a tia ocupará, momentaneamente, a função da mãe, para que tudo permaneça como antes, para a criança e para a própria mãe, que se sente mais segura em saber que a criança dela tem uma tia mãezona. Essa forma de viver a professora vai mudar entre os quatro e cinco anos da criança. Isso, porque, a ela será cada vez mais solicitadas atividades que esperem a sua autonomia. Uma carteira por criança, cadernos e folhas individuais de exercícios são comuns nessa idade. Elas olham para o colega, mas precisam fazer o delas mesmas, é o que a professora diz. E quando estão em roda, e se sentam no colo da professora, esta indica para que se sentem ao seu lado e ao lado das outras crianças, que, às vezes, mostram incômodo por a professora não ser mais a tia mãezona.
São levadas a usarem mais por conta própria os armazenamentos de que dispõem, para resolverem exercícios na escola, e exercícios de relacionamentos. São mais chamadas à autonomia para lidarem com o que faz parte do mundo delas, um mundo que elas próprias e os pais compartilham. Os pais também indicam que vão ao banheiro, durmam, divirtam-se ou estudem sozinhas. A criança há muito os têm como espelho-guia de comportamentos, que elas reproduziam (meninas usam o salto da mãe, meninos querem computadores). Essa reprodução ora encantava os pais, ora os preocupava, quando envolvia risco físico. Estes comportamentos são antes uma reprodução de ações e razões que vêem dos pais do que ações e razões elaboradas por elas mesmas. No entanto, nesta faixa de idade, as identificações vão se ampliando para os colegas da escola e os programas de tv, e a criança vai adquirindo novos modelos e podendo fazer comparações e escolhas.

De repente, ao mesmo tempo em que se mantém dentro do quadro de referências dos pais, a criança aparece agindo um pouco diferentemente dos pais. Esse agir diferentemente, e o próprio ser autônomo, o dar conta das próprias coisas e não mais depender dos pais para tudo, às vezes os deixam inseguros.
É hora de eles confiarem na auto-confiança da criança, saberem que tem mais gente manejando os elementos do mundo deles todos. Gente que começa a trazer elementos novos, estimulantes e inquietantes demais para a tranquilidade da esfera. Os pais precisam crescer.

Thiago Ricardo, psicanalista

Considerações sobre o "tudo bem"


A filosofia de Nietzsche permite contarmos que antes de sermos homens éramos alguma coisa que vivia a vida plenamente, em seus altos e baixos. Recebíamos os acontecimentos de peito aberto e com atitude de vencedor. A tipologia forte-fraco, elaborada pelo filósofo, vai bem aqui: o fraco, regateador, sempre evitou entrar nos lances decisivos do jogo que é a vida. O forte lhe dirigia ordens ou ações, e o fraco, sorrateiro, evitava contrapor outras ordens ou ações. A resposta dada pelo fraco era um tímido “tudo bem”, deixando o que veio do forte entrar por um ouvido e sair pelo outro. Assim, isentava-se de ter que considerar o que o outro lhe lançou e de preparar uma contra-ação à altura.

O fraco também sugeria ao forte que pensasse no que fazia, dizendo “você deve buscar antes de tudo ser bonzinho, ter consideração com os outros. E deve se lembrar que cada um precisa ser responsável pelos próprios atos”. Tanto insistiu o fraco nessa conversa que minou a força do forte, fazendo-o ter dúvidas e enfraquecer, ou seja, tornando-o semelhante a ele mesmo, o fraco. E começando a responder um “tudo bem”, incólume, a tudo.

Kant e o Iluminismo nos deram o homem como sendo maior no uso que faz da própria razão. Diante de cada situação, ele não deveria seguir ninguém exceto a razão obtida como resultado da deliberação dele mesmo acerca do que fazer. O sujeito kantiano tem uma boa razão para justificar seus atos. Ele só age quando possui essa razão. E pode sugerir aos outros que também busquem suas razões. Um “tudo bem” que lhe dissessem soaria para ele como preguiça de usar a capacidade de elaborar juízos, e ele teria certeza de que o dono da boca que o proferiu faria besteira. A imagem que fazemos de nós mesmos deve muito a Kant. Vemo-nos como “conscientes dos nossos pensamentos e responsáveis pelos nossos atos”. O indivíduo que responde pelo que pensa e faz é o elemento a quem são atribuídos os direitos que sustentam os Estados modernos.

Após séculos de governo baseado em conhecimento acessível a poucos, em uma inspiração platônica, que dizia ser o saber verdadeiro possível de ser descoberto apenas para os filósofos, hoje quem governa o indivíduo age (ou deveria agir) em nome dele e fazendo cumprir os seus direitos. O platonismo, no entanto, ainda faz parte do nosso dia a dia. Frequentemente nos engajamos em conversas nos colocando como possuidores de alguma relação com autoridades não-humanas (Rorty fala delas em “O declínio da verdade redentora e a ascensão da cultura literária”), que nos garantiria saber sobre a “natureza” ou o “conceito” das coisas. “O que é um pai?” é trazido para uma discussão sobre paternidade. “O que é cultura?” é perguntado quando se precisa decidir que projeto será contemplado com ajuda financeira. “O que é a vida?”, busca-se definir quando se pensa em legalizar ou manter o aborto proibido.

A religião, a literatura, a filosofia e a ciência deram respostas para essas questões. Aqui e ali, é provável que continuem respondendo. Eu e você, também. E discordaremos muito, embora continuemos achando que é melhor dar definições que perdurem, como se o verdadeiro conhecimento nos chegasse do céu, de presente, e fosse eterno. Ao invés disso, poderíamos responder, para nosso debatedor, o que é do nosso interesse, “o que eu gostaria que acontecesse”. Dizer e ouvir isso são um jeito de apararmos arestas e contemplarmos interesses aqui e ali, e criarmos uma concordância, ainda que momentânea.

Aquele que permanece apegado à verdade-dom, diante de um conversador que vá pelo “vantajoso”, pelo “interesse” e pela “novidade”, esgota suas definições e sai com um “tudo bem”. Ou fica agressivo e força o conversador a dizer ele mesmo o “tudo bem”, a contragosto. Este fica pensando no que poderia ter dito na situação em que não houve acordo.

O conversador pode ser a filha de um pai que nunca a deixaria fazer uma prova escolar sem ter estudado nos dias anteriores, “porque menos de 9 é inaceitável”. Ela daria aquela mesma resposta ao pai, pois não adiantaria explicar o que ela sabe a respeito de cuidar dos próprios estudos. Ele não ouviria.

E o conversador pode ser alguém que, por melhores que seus próprios argumentos lhe parecessem, aceita com o "tudo bem" o que o outro, mais familiarizado, ou seja, com mais sucessos, na lida com determinada situação, lhe diz para fazer. "Eu poderia falar mil coisas, tentar convencê-la, mas será melhor eu fazer do jeito dela".

Thiago Ricardo, psicanalista

Você só diz "sim" ou "não"?


No programa "Participação Popular", da Tv Câmara, de 27/01/15 (http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/PARTICIPACAO-POPULAR/480792-VOCE-E-FAVORAVEL-AO-DESARMAMENTO-DA-POPULACAO.html), discutiu-se uma proposta, em tramitação, de modificação do Estatuto do Desarmamento, visando facilitar e ampliar o acesso da população à obtenção de uma arma de fogo. Parece-me, esta proposta vem responder a certas demandas de indivíduos, que chegam à Câmara, ou que foram inferidas de plebiscitos sobre se se é contra ou a favor do desarmamento da população.

Em participação no programa, meu amigo, o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr., entre outros pontos, disse que o sim ou o não impedem a conversa e a reflexão sobre esse e outros assuntos. Desenvolverei este ponto. A participação em um plebiscito não é obrigatória, diferentemente do que é nas eleições de governantes. Quem participa de um plebiscito tem interesse na matéria em questão, seja ela a ampliação do acesso às armas de fogo, a legalização do aborto, a legalização do uso da maconha, a redução da maioridade penal, etc. O votante chega, em geral, querendo a modificação da legislação referente a esses assuntos. Portanto, ele e sua opinião não são a população e a opinião dela.

No programa supracitado, foi dito que enquetes informais de sites costumam dar larga vitória do sim ao aumento do armamento. O apresentador leu uma opinião do público que dizia ser esta a vontade da população. Pergunto a você: você acha que se perguntássemos sim ou não quanto a essa questão, a passantes na rua, no centro da sua cidade, escolhidos aleatoriamente, o aumento do armamento venceria? Ou o armamento é do interesse de parte da população que é justamente que se dispôs a votar no plebiscito, enquanto a maioria não se interessou pelo caso?

Nenhum plebiscito representa a opinião da população. A maior parte das pessoas tem suas opiniões, e elas aparecem, se perguntadas. Em uma abordagem na rua, provavelmente. ouviríamos algumas narrativas, dando uma conversa sobre o assunto, mas nada supostamente tão bem acabado quanto o sim ou um não no plebiscito.

A redução de um assunto ao plebiscito favorece que se pense por ideologias, ou seja, que não se pense. A justificativa apresentada por participantes do programa para o cidadão comum ter uma arma é que ele fará a própria segurança, já que o Estado não cumpre isso. Ideologia é falseamento da realidade, e a razão nos diz que que matar um assaltante em um dia envolverá o atirador em um círculo infernal de justiça e fuga da retaliação de outros criminosos. Esse arrazoado pode estar embutido nos votos contrarios à proposta, que obviamente perdem para o "sim" num plebiscito que é muito mais respondido por quem tem interesse na coisa.

Um plebiscito sobre a a legalização do aborto seria mais dividido pois, a favor, temos o alerta para a realidade das mortes de mulheres em clínicas clandestinas, e também a ideologia do "meu corpo, minhas regras" (que é falsa, pois é o dinheiro público que seria gasto no "seu corpo", e as decisões de uma pessoa implicam na vida de outras pessoas, inclusive a vida do feto). Contrariamente ao aborto teríamos posições moralistas, simplesmente proibitivas, mas também morais, que querem segurar a mão ávida do homem, que a tudo quer controlar ou descartar. Mas, num plebiscito, qualquer riqueza argumentativa não aparece, não é fomentada, o não pensamento toma a cena e fica-se com a impressão de que uma tal "vontade do povo" foi ouvida.

Interesses todos nós temos. Mas você já reparou que quem fala "vontade do povo" está falando é da vontade dele mesmo?

Os inimigos de Charlie


Não houve quem defendesse o atentado, com doze mortos, dos radicais islamicos à redação do jornal francês Charlie Hebdo. Não houve quem o fizesse abertamente. Na internet, ouvi dizerem que o jornal errou ao publicar charges fazendo piada com Maomé. Repito que não chegaram a dizer que o atentado era justificável, mas o “mas” nas opiniões de algumas pessoas, como mostrou meu amigo Vitor Lima, em seu texto (http://lima-vitor.blogspot.com.br/2015/01/a-suspeita-de-skylab_33.html?m=1) tentou inserir uma razoabilidade no que era pura barbárie. Esse “mas” procurava dar certa justificativa para o assassinato. Nos países ocidentais, faz-se piada com Deus. E nenhum grupo terrorista mata por ele.

Entre nós, há quem se diga ateu. Há militantes feministas. Parte da população, particularmente a jovem e ligada à universidade, parece se incomodar com tudo o que cheira a tradição. Reclamam da “opressão” que sofrem dos professores. Se no Iluminismo ao homem foi proposto guiar-se pela própria razão, esses militantes, ao contrário, agrupam-se em torno das mesmas ideias , e que sempre dão a mesma resposta para tudo. Deus e a Igreja tornaram-se um mal absoluto. O que sofrem os palestinos no conflito com Israel faz com que, aqui, defendam o Hamaz, um grupo que ataca Israel e usa seu próprio povo como escudo. Eles são os oprimidos absolutos. Maomé é a sua marca, e que ninguem ouse fazer piada dele.

Passamos muito tempo com escravidão negra. As marcas da opressão racial ainda não se diluiram, entre nós. Não nos passa pela cabeça fazer piada com deuses africanos, ou com Zumbi. Isto seria enfraquecer um lado que ainda é fraco, em nossa sociedade: o dos negros. Mas como reagiríamos se um grupo de humoristas fosse morto por um grupo do movimento negro, que se sentiu ofendido por uma piada? Reprovaríamos veementeme. Isso nos assustaria. Nosso oprimido nunca foi terrorista. Alguns militantes da causa negra o vêem como tão, mas tão oprimido que nem o imagina fazendo terrorismo. Ele deve ser protegido, pois são os mais mortos pela policia, os mais presos, os mais pobres e comuns entre os pobres. Mas não gostamos da ideia de censurar uma piada que os tenha como alvo, quando trata-se de humor, e não de ataque.

Em uma democracia liberal, a opinião é um direito que ninguém quer perder. O grupo que atacou Charlie Hebdo desconhece o direito à opiniao, importantissmo para o modo de vida ocidental. Cabe a nós o mostrarmos para paises sem demcoracia. Entre nós, os que não conseguem estudar, conversar, pensar e dizer coisas novas, quer diminuir o direito de expressão de todos, inclusive deles mesmos.

Ainda esperança



João concluiu a faculdade. Mora com os pais. Quer morar sozinho. Foi efetivado na empresa em que estagiava. Para sair de casa, precisaria ganhar bem mais. A pós-graduação certa resolveria? Naquela empresa ele será valorizado, ou é melhor procurar outro lugar para trabalhar? Levou suas dúvidas e vontade de jogar conversa fora para a portaria do seu prédio: o porteiro da noite tem um papo melhor do que o café ralo que costuma fazer.

A casa de José é própria, e fica num bairro distante, onde João nunca esteve. A conversa dos dois passa por vários assuntos. Os compadres não têm o que não dizer. João fica sabendo que o outro tem um carro, comprado usado, uma tv de plasma em casa, e também que, nas últimas férias, José foi com Francisca e as duas crianças para Fortaleza, cidade de nascimento do casal. Francisca trabalha como diarista naqueles apartamentos dali. Do governo, eles recebem uma bolsa por cada criança.

No dia seguinte, João comenta com sua mãe sobre estas coisas. Ela viu uma porção de problemas onde o filho não via nada de mal: "você sabe quantos anos eu dependi de ônibus, para ir ao trabalho? Você sabe quanto custam as contas da sua casa? Pergunte ao José se eles pagam a água ou a luz que consomem em casa. E a tv? Eles só querem ostentar, e os impostos que pagamos vai para eles.". João não teria dinheiro para pagar um plano de saúde, não fosse o de seus pais. Saúde e educação andam caras. Porque políticas públicas, dessas áreas, são pedidas só pelos pobres, ou melhor, pela classe média para os pobres?

João sabe que falta saúde e educação públicas de qualidade, para José. Para ele e sua mãe também faltam, mas eles não o percebem porque, no seu horizonte, estão os serviços particulares, cada vez mais caros. A classe média sente como cada vez mais inacessíveis as condições de prosperar, ou seja, dentro do ideário liberal, concluir todos os estudos e poder escolher um trabalho que remunere o suficiente para uma vida confortável e, sem muito esforço, poder comprar coisas mais caras.

A mãe de João gostaria de um presidente cujo trabalho trouxesse mais benefícios para a família dela. Reinvidicar algo do governo é inútil. João está próximo à universidade. Ele entende que os últimos governos mexeram num antigo problema do país: o Brasil é uma terra feliz, mas, com grande número de miseráveis e profundamente desigual. Feliz, talvez, porque pouco educado, e não percebedor dos próprios problemas; reclama de quem manda, mas se exime de mandar em quem manda; acha que vive em abundância natural de tudo, inclusive de "jeitinhos de última hora", por isso abandona o que requer trabalho e dedicação. Os mais pobres estão consumindo, a economia não está em crise. Nos queixamos um pouco, mas infelizes? Não.

João mantém a esperança na melhoria da vida de todos. Da vida dele, também, mas ele pensa em "sociedade", "direitos", etc. Sua mãe tem pressa, não quer bla bla bla teórico. A esperança precisa de condições mínimas para a busca de melhorias que permitam a prosperidade. A classe média ainda tem alguma condição, por isso parte dela adere ao "bem comum". Isso faz bem a ela. Ainda não estamos tão apertados a ponto de não podermos mais usar de razão sensível, não é?

O politizado



Tem gente que se mantém informado de tudo o que ocorre na política. Sempre sabe dos últimos e de antigos personagens e escândalos. Também há os que sabem de grandes jogadores e times de futebol do passado. E há os ligados nas novidades, nesta área. Os fãs de futebol vibram com um bom desempenho. Já os primeiros não tiram da cabeça os políticos pegos em corrupção, a mídia que não é imparcial e a queixa de que a sociedade é alienada e não sabe votar. São farejadores do mal do mundo.

Eles estão na esquerda e na direita. Buscam o mal para não pensarem no próprio fracasso. Não são altruístas. Alguém, que não eles próprios, tem que ser o responsável por eles nåo terem o que querem. Se falam em corrupção moral ou em desigualdade social, por exemplo, pensam antes em tirá-los da sua visão, até para não serem confundidos com o mal que adoram, do que no que aqueles a quem tomam por vítimas pensam sobre essas coisas e sobre o que querem.

Muita gente apóia causas e se engaja em movimentos sociais com o interesse de obter um sentido para a própria vida. Na adolescência que desiste de professores disciplinadores, ou pessoas após terem filho e que vivem a incerteza de se irão trabalhar na área em que se formaram, ou em pessoas em uma velhice rancorosa, a vida está vazia. Tentam puxar o oprimido para baixo, para lhe fazer companhia nessa miséria. Mas o oprimido não raro não se vê assim, e rapidamente aproveita a primeira oportunidade para se erguer. Tem uma dignidade e sabedoria de vida que faltam ao militante ferrenho.

Os que reprovaram Dilma, quando esta construiu um porto em Cuba, e os que agora reprovam os EUA e Cuba por reatarem relações comerciais, mostram preferir a ideologia aos ganhos comerciais que todos estes países terão.

A pessoa que lê jornal e vê tv normalmente, por não ser esse tipo de abutre, comenta o andamento da política e sabe torcer para que o governo, seja ele qual for, seja bom. E sabe reprovar medidas ruins.

Não são poucos os que conseguem ter essa clareza e liberdade de raciocínio. E riem dos abutres, pois os sabem mesquinhos. Mas quando estes se aproximam, fazem de tudo para despachar os carniceiros para longe.

Sabe aquele tipo de chato que só fala de desgraça? Pois é...