quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Entra um vento frio: as mudanças das crianças (e dos pais) de 4-5anos


Na barriga de uma mulher grávida, um ser se desenvolve. Esse ser é uma dupla*, que permanece unida por todo o tempo da gravidez: o feto e a placenta. Um é continuação do outro, mas eles são coisas diferentes. Formam uma esfera acalentada e protegida do ambiente externo. No interior da esfera, o ambiente é aquático. Nele há troca de vibrações e sons, os quais serão memorizados pelo corpo do feto. Os estímulos externos, após serem filtrados, também serão armazenados por essa memória primitiva que cada um de nós possui.

Quando nascemos, o bebê perde essa parceria. O mundo é frio e desconhecido. A mãe se oferece, ao mesmo tempo em que o bebê a busca. Ele deita no colo, e o leite morno envolve toda a sua boca, reconfortando-o. Ele permanecerá muito junto da mãe, ou seja, ela também viverá nessa esfera protetora e climatizada. Nos primeiros meses do bebê será muito difícil distinguí-lo totalmente da mãe. A esfera formada por eles comunica-se com o ambiente externo. Da mesma forma que o colo reassegurou ao recém-nascido que ele não ficará sem o lar esférico, a voz da mãe o reconforta de que tudo correrá bem, sempre que um som ou, agora, visão, pareçam ameaçadores. Um promete ao outro que não haverá problemas.
O bebê engatinha, começa a andar, a segurar mais a colherinha na hora de comer, etc. A esfera da qual ele participa tem outros polos, além da mãe: inicialmente vêm o anjo da guarda e o pai, posteriormente vêm as demais pessoas que cuidam. Todos estarão envolvidos no mesmo ambiente, no mesmo clima de quartinho de bebê. A criança já está mais crescida. Ela quer água, e vai abrir a geladeira e pegar a garrafa de vidro. Apesar da ordem proibitiva da mãe, a criança já a viu fazendo a mesma coisa: servindo a si mesma e tudo acabando bem. E, não se esqueça, ela se sente protegida. A criança quer continuar na esfera protetora, mas usa o que armazena de palavras carinhosas e encorajadoras que sempre ouviu, e os exemplos visuais que colecionou, para manipular as coisas com as quais entra em contato. E a geladeira sempre fez parte do seu mundo, não é algo externo e desconhecido. A ameaça do corte, porém, faz a mãe tomar a garrafa da mão da criança. O vidro é terrível, ele cai, quebra e machuca a criança. Como será esse machucado? Ninguém prevê, assim como ninguém espera o acidente da queda de uma garrafa. Mas se quer evitá-los ao máximo. Um acidente afetaria a todos, e, nesse caso específico, a ameaça de corte é tudo o que quem vive muito junto não quer.

Na escola, a tia ocupará, momentaneamente, a função da mãe, para que tudo permaneça como antes, para a criança e para a própria mãe, que se sente mais segura em saber que a criança dela tem uma tia mãezona. Essa forma de viver a professora vai mudar entre os quatro e cinco anos da criança. Isso, porque, a ela será cada vez mais solicitadas atividades que esperem a sua autonomia. Uma carteira por criança, cadernos e folhas individuais de exercícios são comuns nessa idade. Elas olham para o colega, mas precisam fazer o delas mesmas, é o que a professora diz. E quando estão em roda, e se sentam no colo da professora, esta indica para que se sentem ao seu lado e ao lado das outras crianças, que, às vezes, mostram incômodo por a professora não ser mais a tia mãezona.
São levadas a usarem mais por conta própria os armazenamentos de que dispõem, para resolverem exercícios na escola, e exercícios de relacionamentos. São mais chamadas à autonomia para lidarem com o que faz parte do mundo delas, um mundo que elas próprias e os pais compartilham. Os pais também indicam que vão ao banheiro, durmam, divirtam-se ou estudem sozinhas. A criança há muito os têm como espelho-guia de comportamentos, que elas reproduziam (meninas usam o salto da mãe, meninos querem computadores). Essa reprodução ora encantava os pais, ora os preocupava, quando envolvia risco físico. Estes comportamentos são antes uma reprodução de ações e razões que vêem dos pais do que ações e razões elaboradas por elas mesmas. No entanto, nesta faixa de idade, as identificações vão se ampliando para os colegas da escola e os programas de tv, e a criança vai adquirindo novos modelos e podendo fazer comparações e escolhas.

De repente, ao mesmo tempo em que se mantém dentro do quadro de referências dos pais, a criança aparece agindo um pouco diferentemente dos pais. Esse agir diferentemente, e o próprio ser autônomo, o dar conta das próprias coisas e não mais depender dos pais para tudo, às vezes os deixam inseguros.
É hora de eles confiarem na auto-confiança da criança, saberem que tem mais gente manejando os elementos do mundo deles todos. Gente que começa a trazer elementos novos, estimulantes e inquietantes demais para a tranquilidade da esfera. Os pais precisam crescer.

Thiago Ricardo, psicanalista

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