sexta-feira, 14 de abril de 2017

A preocupação com as treze razões


Não assisti ao "Thirteen reasons". Assisti às opiniões de algumas pessoas sobre esta série. No texto "Luto e melancolia", Freud conta que o estado melancólico é o sofrimento decorrente da perda não de um ente amado, mas de uma abstração amada. Não se sabe exatamente o que foi perdido, mas o ego do melancólico não cessa de se recriminar pela perda. Ao contrário da pessoa em luto, que culpa o mundo por ter lhe retirado o objeto amado, o melancólico tem uma doença narcísica: ele identifica-se com o objeto amado perdido. Desde modo, é o próprio eu que está perdido.

O eu vazio de sentido não é o modo atual de sofrimento, segundo o filósofo coreano Byung-Chul Han. Em "Sociedade do cansaço", ele apresenta a ideia de que estamos não em uma época de perda ou de negatividade, mas de sempre mais, de positividade. O sofrimento atual se dá por um excesso de eu. Minhas ideias, meus sentimentos, meus projetos, minhas regras, minha militâncias, meu desempenho: sou obrigado a ser eu mesmo. E não há outros, não há alteridade, mas diferenças tomadas sem estranheza, sempre familiares.

Uma menina comete suicídio. Ela apresenta treze razões diferentes para ter feito isso. Cada razão refere-se a uma pessoa que ela conhecia. Estas pessoas e razões são apresentadas pela menina como razões para ela ter feito o que fez. Adultos disseram-se preocupados com os jovens que assistem à série. Haveria o risco de que o comportamento da personagem fosse imitado: um risco de que o jovem também fique cheio de si. Opiniões ou motivos oriundos de 13 outros, por serem 13 outros familiares, encheram o si mesmo da menina. Ela não tomou nenhum deles como estranho a ela, como um "ei, isso não me cabe!". Estar cheio de si pode ser "estar repleto de si mesmo". Seguindo com Han, estar cheio de si leva a que se fique "cansado de si mesmo".

De acordo com o filósofo alemão Peter Sloterdijk, nossa sociedade não conhece a necessidade e a gravidade, na medida em que há superprodução de tudo (embora, em muitos lugares, a sua distribuição seja profundamente desigual), associada a sistemas de bem-estar e à possibilidade de se requerer mais e mais liberdades. Temos tudo para voarmos como balões, subindo indefinidamente. Não há pesos necessários mas, por isso mesmo, há pesos escolhidos. A leveza é insustentável.

Paulo Ghiraldelli Jr., em "Para ler Peter Sloterdijk", conta de uma vez em que o Rei Luís XVI concedeu aposentadoria para o cabrito Montauciel e seus parceiros, um pato e um galo. No dia 19 de setembro de 1783, os três animais subiram em um balão a partir do pátio do Palácio de Versailles. Subiram e voltaram em segurança, e repetiram a façanha em outros lugares.

Aqueles que se preocupam com a falta de peso dos jovens que assistem à série temem que eles voem tão alto quanto a personagem suicidada. Sim, porque as treze razões enchem o eu de si mesmo, mas não o pesam. Pelo contrário! São treze insufladas de gás, que deixam o eu mais cheio, porém com mais capacidade anti-gravitacional.

A depressão da personagem não é a freudiana, paralisante, mas uma depressão que leva até o fim as razões que há em si mesmo. A personagem não tomou para si qualquer peso, pois nada a segurou. Há, nos que se preocupam, a lembrança de Laika. Durante a "corrida espacial", na competição contra os EUA, a URSS enviou para o espaço a cachorrinha Laika, numa viagem que se sabia sem volta. As razões dos responsáveis fizeram-na voar indefinidamente. A antecipação da morte de Laika não foi um peso, não interrompeu as intenções que levaram ao vôo.

Treze razões fizeram com que o poder de ação da menina da série fosse maior do que o de qualquer sujeito. Continuando com Sloterdijk, sujeito é aquele que tem duplos pensamentos. Da mesma forma como ele diz querer alguma coisa, e procura fazê-lo, em outro momento ele pode afirmar outra coisa, e realizar uma ação diferente. Portanto, não se pode confiar na sua capacidade de realização: ele não é um autômato, e pode não agir. Assim, curiosamente, é que é um sujeito!

A menina das treze razões não possui espaço para dar um passo atrás. Ela encheu-se de 13 pessoas diferentes, portanto iguais a ela. Ela é um eu, sem dúvida, mas não é um sujeito. As 13 razões a coagem. As razões e as pessoas que a insuflaram, a positivaram. Não a fizeram estranhar-se, não a negativaram. Falo isso sem ter assistido à série, pois é sobre essas coisas que os semi-leves têm comentado.

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