segunda-feira, 17 de abril de 2017

Festa pré-pronta


Nos anos 70 os homens viam John Travolta na TV. Sábado à noite eles se produziam demoradamente, para se apresentarem na pista de dança. Havia festa, um tempo diferenciado. Hoje, produção continua sendo utilizado para o embelezamento, mas de mulheres, transformistas e gays. A festa está com eles. Às vezes, nem mais com eles ela está. Produção, no sentido de fazer algo para ser trocado por dinheiro, e tornar-se equivalente a tudo, roubou o momento da festa, do apresentar-se.

Agora cada um se preocupa em produzir algo que valha. Isso inclui vídeos e fotos para o Facebook. Importa produzir material que tenha um valor, não mais um produzir-se. Ou um produzir-se atrelado a produtos. Veja bloggers e vloggers, com seus livros e peças. O belo, que já teve seu sentido próximo ao justo, hoje ou é monetarizado ou não é importante. O justo tem sido um trabalho nada atraente. O charme está nos heróis e nos vilões, que tomam as coisas em suas próprias mãos, indivíduos que impressionam.

Na vida bela não existe mais o político e o politizado, tão preocupados com todos, com o mesmo empenho com que recusam-se à estética. A fala é desajeitada, tem uma afetação que vira marca (já reparou como cada palestrante midiático têm um problema na expressão, que se torna a sua marca identifidora? E a péssima dicção do Lula, que charme?), o cabelo é desarrumado, não raro apela-se para um comportamento imoral e inoportuno em sala de aula, nas ruas, nas instituições.

A polidez e a reserva, o produzir-se de forma bela não se encontra mais na política ou na sala de aula. O professor se esgoela, os alunos também falam desorganizadamente. Não há a beleza da precisão do conceito, de um texto bem escrito, de um tema bem debatido. As coisas são tocadas a toque de caixa para dar conta da próxima prova do Enem, de mudar rapidamente o comportamento de alguém. É o anti produzir-se belo.

Neoliberalismo e machismo não são a força de uma pessoa sobre a outra, mas de uma pessoa sobre ela mesma, obrigando a produzir-se. Produzir ideias, coisas, tudo com a marca "self made". A orbigatoriedade do assumir-se a si mesmo. Na dúvida, há um monte de identidades pré-prontas, aí, pra você vestir e sair rapidinho de casa.

P.s.:Inspirado na conferência "Tempo de celebração: a festa numa época sem celebração", de Byung-Chul Han. Este texto consta no livro "A sociedade do cansaço", do mesmo autor.

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