domingo, 24 de agosto de 2014

Viadagem com a linguagem

"Estou deprimido, ando meio down", "sou cheio de manias, tenho TOC", "esse cara é muito louco, um esquizofrênico", "ele vive na dele, feito autista", e outras, frases que são ditas por todos. Elas contém termos oriundos da psicopatologia, mas o sentindo que eles ganham, no uso comum, não é o técnico. O senso comum se apropria dos conceitos para referir-se a diferentes comportamentos, cada termo sendo usado para algo com que nos deparamos no dia-a-dia. Profissionais e familiares podem vir a queixar-se desse uso comum, alegando que ele passa um sentido errado do conceito, ou que usá-lo a torto e a direito leva à discriminação do portador de um transtorno mental. O uso comum daqueles termos tem uma pragmática, que é a da possibilidade de se comunicar que uma tristeza está forte, o alheamento de alguém está fora do normal, etc. Posso dizer que sou doido, mas afirmar que sou como esquizofrênico comunica muito melhor o quanto sou doido. Quem implica com esse uso está com ciúmes de um vocabulário que já não é só dele. Esse espraiamento também ocorre com termos da física, da biologia, etc. Tal forma de comunicação não piora o tratamento social na relação com os pacientes mentais, pois quem participa dela sabe que o sentido com que lida diz respeito àquela comunicação, e quando vê um comportamento que varia do normal e que também não é coberto por esse sentido, sabe que precisa consultar um profissional para entender o conceito e saber como agir. E, arrisco dizer, o uso comum daqueles termos tem a ver com uma fala nossa a respeito de peculiares sentimentos e comportamentos nossos, fazendo com que tenhamos mais condições de entender e acolher o diferente, o sofredor ou o doente. Se as conversas corriqueiras devem ser isentas daquelas palavras, se não podemos mais nos adjetivar, então somos todos "normais". E se nunca saímos do "normal", quem sair dele será tratado com luva e pinça. Porque é a isso que levaria uma assepsia na comunicação.

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