terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O terceiro e o amigo: dois tipos de desconhecidos

A mãe quer que o filho faça ou não faça alguma coisa: "se eu chegar no três, você vai ver! um, dois...". O filho obedece. Um dia ele pergunta o que acontece quando ela chega ao três. "Eu não sei.", é a resposta.

A criança é ela e a mãe + ela e o anjo protetor + ela e o pai + ela e o amigo da escola. Um pequeno universo de parceiros, com os quais a criança faz dupla, e passa a existir junto com o passar a existir de cada um deles. Não há o terceiro.

Os parceiros mãe, anjo, etc, são nomeáveis. O terceiro seria inominável. O terceiro está fora desse universo. Nenhum dos seus participantes o conhece. A mãe lembra a criança deste terceiro, deste sem rosto que faz com que a passagem do dois para o três, na contagem, seja ansiosa para os que compartilham e existem em dupla.

Ninguém quer o terceiro, pois ele divide a dupla, talvez para sempre. A mãe chama o homem do saco, rezando para que seu desejo não se realize.

Tem um desconhecido que não está fora. O amigo não é a mãe, não é um parceiro. Agambem, em "O amigo" (http://www.bsfreud.com/AgambenCaon.html) o diz como um "outro si mesmo", hetero autos, do Aristoteles. Com ele se sente e pensa as mesmas coisas. Com ele se existe junto, como ocorre com um parceiro, mas sem que se constitua um "eu e ele", mas, sim, um "eu e meu amigo", muito próximo de "eu e outro eu".

Com um amigo, não dá para saber quando começa o outro e termina o um, como um pote de sorvete tomado junto: ele não está sendo dividido. Se dividimos o pote de sorvete, mesmo que irmãmente, estamos no campo da parceria a fim de paz, da justiça, não mais do existir junto e misturado.

"Meu filho Adriano sabe dividir o sorvete com o irmão", "Minha mãe é boa cozinheira": Dizemos essas frases a respeito de parceiros. Agora, "eu te amo" ou "eu te amigo", "amor" ou "amigo", não aceitam predicado, lembra Agambem. Nelas o sujeito está referido a si mesmo. Lembre-se de como é fácil fazer um programa na companhia de um amigo: basta escolher sua pizza e filme preferidos, que serão exatamente o que o amigo estava querendo.

Porque você ama alguém? Como responder isso sem falar de si mesmo? E, da mesma forma que ê difícil olhar para si mesmo, é igualmente difícil olhar para um amigo. O que se faz é apontar o rosto para um lado e ter o do outro também apontado para lá. Conhece-se um amigo quando não se o conhece.

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