domingo, 4 de dezembro de 2016

O valor da vida


Veja o vídeo da enquete feita por Fátima Bernardes, em seu programa: https://www.youtube.com/watch?v=-BQsafM8sVA. É uma pergunta sobre quem um médico deve salvar primeiro. Repare que ainda não estou dizendo as opções. Elas não são as que parecem ser, à primeira vista. No cenário, há os nomes “policial” e “traficante”, dando as opções de quem salvar primeiro. Fátima, porém, ao explicar a questão, diz que o policial tem um ferimento leve e o traficante tem risco de morte. Então, pela fala de Fátima, as opções não são o “policial” ou o “traficante”, mas o “levemente ferido” ou o “com risco de morte”.

Os participantes do programa, tendo ouvido a explicação de Fátima, optam pela pessoa em estado mais grave. Eles contam histórias de pessoas que roubam e até baleiam outras e que, quando precisam, procuram atendimento médico para si mesmas, sendo atendidas. A conversa, então, não é sobre criminosos menos ou mais perigosos, mas sobre o direito de todos a serem atendidos em sua demanda por saúde.

No programa também está presente um médico plantonista do hospital carioca Miguel Couto. Ele diz que a equipe de saúde segue uma classificação internacional de risco, para avaliar as prioridades de atendimento. Ao dizer isto, ele se coloca acima das posições sociais ou em relação à lei, e até de dramas pessoais. O termo “internacional” soou como “universal”. A preservação da vida deve ser universal.

Nenhum dos presentes possui algum dilema. Não há dúvida acerca do que deve ser feito. Porque não se trata de escolher entre “policial” ou “traficante”, mas de simplesmente salvar uma vida.

O quadro do programa de Fátima é rico, dá o que pensar. Mas quis apresentar um dilema que, diante de um valor universal, ficou diluído. O valor universal dá uma diretriz sobre o certo a se fazer. Estando sob esse cenário, escolher atender ao policial levemente ferido, enquanto se deixa o traficante morrer, é errado.

Os espectadores do programa ficaram menos com as palavras de Fátima e mais com as palavras “policial” e “traficante”, em suas cabeças. Para eles, a ideia do valor da vida ficou distante. Em primeiro plano, ficou toda a preocupação da pessoa com a própria segurança. Eu, mesmo no caso de eu ser médico, se estou em minha casa ou na rua, com a minha família, preferiria antes encontrar um policial do que um traficante. Olhando para o meu umbigo, e falando a partir de um medo social, eu diria que é preferível um traficante morrer a um policial. Mas, eu sendo médico, se estou diante de uma pessoa morrendo, esteja eu na rua ou no hospital, darei atendimento.

O médico faz um juramento em torno do valor absoluto da vida. Um advogado faz um juramento em torno do valor absoluto da justiça. Estes especialistas são defensores do que entendemos por prerrogativas do ser humano. Nesse sentido, são humanistas. E o humanismo é um princípio acerca do que é o certo a se fazer.

Por falta de educação, nossa, temos dificuldade de alcançar algo absoluto, ou um princípio, pois estas são coisas abstratas. Pensamos nossas experiências particulares e a dos outros como pão-pão queijo-queijo. Falta-nos recursos intelectuais para pensar nessas experiências. Vivemos pra atender demandas imediatas relacionadas ao medo, insegurança ou outras necessidades. A necessidade e o imediato (que são quase a mesma coisa) tornam-se o parâmetro ético. A defesa de valores absolutos torna-se coisa de “defensores dos direitos humanos”, numa acusação que quer dizer: “desconhecedores das necessidades ‘reais’ das pessoas”. O intelectual então é míope, sonhador no sentido de bitolado. Inútil, até pernicioso. São vistos com maus olhos o médico que atendeu um criminoso, e o advogado que buscou a justiça para ele.

Nesse anti-intelectualismo, que joga fora qualquer valor além de mim mesmo, não demorarei a começar uma guerra civil.

p.s.: Percebem agora o quanto a tv de qualidade está acima da capacidade intelectual geral da população?

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