sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Injustiça bem distribuída


Para o homem antigo, grego ou hebreu, a obediência às leis e aos costumes era um privilégio. Significava estar no ethos, em casa, portanto, não ser escravo. Hoje as pessoas gostam de dizer o quanto escapam da lei. A frase “você sabe com quem está falando?”, que Roberto da Matta disse que é um símbolo do nosso autoritarismo cotidiano, é contra atacada por um comportamento que também é um autoritarismo cotidiano: o indivíduo comum foge às obrigações e autoridades, mesmo quando se considera inocente.

No Salmo 141, Davi diz que não andará com malfeitores, com injustos. Sabemos que no contexto da Bíblia os não seguidores da lei de Javé, o ponto de demarcação da justiça, poderiam ser tanto o indivíduo comum como os reis. As leis de Javé valiam para todos, segui-la era uma obrigação geral. Neste aspecto, não havia a polarização indivíduo comum X Rei. De forma magoada, hoje, separamos um pobre-sofredor de injustiça, então compulsoriamente injusto, de um rico-injusto por natureza.

Davi pede ajuda a Javé para seguir a própria lei Dele. Pede uma sentinela à porta dos próprios lábios; pede que Ele lhe bata, corrija, antes que ele mesmo deixe o óleo do justo perfumar-lhe a cabeça. Ser amado, aqui, ou seja, habitar uma casa, é temer Javé, no sentido de estar sob a sua lei. Fora dessa casa havia a injustiça, a morte do homem pelo homem, decidida por uma lei arbitrária e não clara. A morte do homem por Javé era a fidelidade Dele em ensinar, ou seja, em aplicar uma lei fixa e conhecida. Como a maior parte dos homens morre de causas naturais, a lei de Javé entra como um princípio do ciclo da vida, não como uma punição. Até mesmo porque, nos bons casos, a vida prosseguiria por outros meios.

Bolsonaro, em recente entrevista (http://odia.ig.com.br/brasil/2017-05-23/bolsonaro-admite-propina-a-seu-partido.html) indagou sobre que partido não recebe propina. Os injustos se banqueteiam, então quem não participaria do banquete, também? Davi pediu ajuda a Javé, para não se render ao óleo do poderoso. O homem de hoje confia apenas na própria força, e já se põe de antemão como fraco demais para resistir às contingências.

A quantidade de auto-ajuda existente, hoje, só é possível num mundo em que o homem pensa que deve fazer muito, por conta própria, e então se percebe impotente. Pede ajuda de outro homem, tão impotente quanto ele próprio. Um outro homem igual a si mesmo, não um parceiro provocador-ampliador, alguém pra fazer uma dupla como homem-Javé.

Se os outros-iguais não dão força para seguir uma lei, dão o ambiente do seu rompimento. Estimulam-se mutuamente, para isso. Criam o ambiente da fraqueza da vontade, do não-resistir aos banquetes.

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