sábado, 5 de abril de 2014

Falsos demônios

"O estuprador é um demônio que feriu um direito meu", fala o direitoso. "Eu não mereço ser violado, mas o estuprador é fruto de um problema cultural", fala o esquerdoso. O direitoso cria uma figura de acusação e a mistifica. E mantém uma visão aparentemente racional sobre si, dizendo que é indivíduo de direitos. Joga suas fantasias e temores no outro. O esquerdoso tem explicações culturais, sociológicas e psicológicas para o problema do estupro. O estuprador não é estuprador: é alguém que estuprou, não uma essência e, por isso mesmo, pode ser mudado se tivermos mudanças culturais e se políticas públicas favorecerem isso. Até aí eu concordo com ele. Seu discurso começa a ficar problemático quando fala do próprio eu: seu eu é essencial, um santuário de onde emana a Vontade decisora sobre o próprio corpo. O eu é o centro da moral do esquerdoso. Tudo conspira contra ele. Quem comete um estupro não é o problema: o problema é sempre maior. Lógico que tanta racionalização para o social é, no caso do esquerdoso, uma mistificação, que é mistificação do eu-consciente-eterno lutador, e outro-vítima- alienado. Para o direitoso todos os problemas do mundo são resultado do mau uso que um indivìduo faz da liberdade dele. Esse mau uso fere a liberdade de quem o acusa, que é quem discorre sobre direitos civis, mas, na eleição de uma figura para ser o demônio do momento, temendo-o e esquecendo os direitos civis desse outro, mostra que o apego aos próprios direitos não é racional, mas paranóico. O outro é super consciente do que faz, por isso deve ser super punido. Eu suspeito dele, não sei do que ele é capaz, nem do que eu mesmo sou capaz. Sou um militar gay estuprador enrustido. E nem quero ter consciência disso, pois tenho muitas certezas do que fazer com o outro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário