domingo, 20 de março de 2016

O PT e a ameaça à esquerda


O ator Bemvindo Sequeira diz, em um vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=AOrZGmI9HMA), que aprova a prisão de Lula. Segundo ele, a história da humanidade é uma sequência de situações de opressão de ricos sobre pobres e que, do lado destes sempre emergem líderes conscientes e corajosos. Estes líderes cumprem o papel de trazer melhorias para a vida dos pobres, e encerram sua trajetória precocemente, ao serem mortos ou presos pelos opositores. A prisão ou a morte de Lula nada mais faria do que completar o lugar que lhe cabe na história.

De acordo com esta visão, a ocorrência destes fatos justificaria, retrospectivamente, todos os feitos de Lula. Ele entraria para a história como um herói, um mártir. Hegel viu na história o percurso de realização do Geist: os acontecimentos, se observados no momento em que acontecem, seriam avaliados como bons ou maus a partir deles mesmos. O filósofo, pelo contrário, deveria esperar a passagem deles, para analisá-los. A sucessão dos fatos revela, para Hegel, um percurso até atingir o clímax, que é uma situação de mais racionalidade no mundo.

Para explicar isso, Ghiraldelli jr. dá como exemplo a invasão das tropas napoleônicas em Portugal, no começo do século XIX (http://ghiraldelli.pro.br/hegel-marx/). Se avaliado por si só, ou entenderíamos este fato como a aquisição de mais um país pela força modernizadora de Napoleão, ou como a ocorrência de um assalto à soberania do reinado português. Por causa dele, contudo, a Família Real Portuguesa veio ao Brasil, e com ela trouxe artes e saberes técnicos. O Brasil tornou-se mais um lugar ocidentalizado, racionalizado, no mundo.

Visto com esta amplitude, o feito de Napoleão realizou o Geist, que é ao mesmo tempo a História e sua própria razão interna, e o sujeito da história que faz o mundo se tornar o que deveria se tornar. Interpretar o Geist seria entender o propósito dos acontecimentos como o desdobrar do Geist, o percurso do espírito, em sua vida.

O homem, por esclarecido que seja, participa da história apenas como um espectador. Essa é a sua participação, inclusive, na sua própria história de vida, também vista como um desdobrar inexorável do Geist.

Marx entendeu o homem de outra forma: ele possui uma razão finita, e a utiliza para interpretar o mundo. Ao fazê-lo, ele pode se deslocar da posição de realizador do Geist. A consciência humana é concreta, está em uma dialética com as condições de vida do homem. Esta relação faz com que surjam ideias não contidas em nenhuma narrativa produzida "do alto".

A sucessão dos acontecimentos não guarda uma lógica, não visa realizar um propósito maior. Acreditar que os fins justificam os meios, ou seja, que a história tem uma razão justificadora, é ideologia, ideia falseadora da realidade.

O marxismo leninista, contudo, retomou o historicismo hegeliano, com modificações: o desenrolar da história segue um propósito, e alguns homens que o conhecem tornam-se seus encaminhadores. O Geist impessoal, a-personalístico hegeliano é tomado, na elaboração leninista, como podendo ser dirigido por um sujeito pessoal, mais do que isso, ativo.

Kant vinculou o eu ao sujeito. A subjetividade já havia ganho um tal "espaço interior", com Santo Agostinho. Com Kant, o homem pôde encontrar nesse interior de si mesmo tudo o que precisava para agir, "pela própria razão". O sujeito do marxismo-leninista era o ser dotado da "verdadeira" razão histórica e, a partir dela, ele se lançava à ação participativa nos acontecimentos.

Esta vertente do marxismo foi elaborada como uma das três respostas à elaboração de Rousseau a respeito da desigualdade entre os homens: a partir do momento em que o homem cercou um pedaço de terra, e disse que aquilo pertencia e ele, uma certa harmonia da humanidade foi perdida, ensejando miséria e guerras.

A partir disto, vimos o surgimento de uma resposta liberal, que defendia o direito à propriedade privada, mas fazia os proprietários pagarem impostos; também houve uma resposta social-democrata, que fazia com que os impostos dos proprietários fossem utilizados em programas compensatórios dirigidos aos não-proprietários; e uma resposta comunista, que estatizava toda propriedade e lhe dava fins sociais.

O matiz dado pelo leninismo na resposta comunista foi de que deveria haver uma classe, uma corporação para administrar esses bens materiais. Mas quem administrava esses administradores? Quem os fiscalizava? É obvio que essa concentração de poder político e econômico só poderia dar em violência e roubo desenfreados. Foi o que ocorreu na União Soviética nos anos 20 do século passado.

A crítica rousseauísta à propriedade inspirava o leninismo a colocar a justiça social como moralmente superior à justiça comum, civil. Devia-se antes buscar a redução da distancia econômica e social entre ricos e pobres do que salvaguardar os direitos individuais.

Lenin seguiu o raciocínio de Rousseau, de que a propriedade privada gera desigualdade, dizendo que uma empresa é fruto da exploração do seu proprietário sobre muitos pobres. O imposto que pesa sobre essa empresa é visto, então, como um roubo do roubo. A distribuição social deste dinheiro torna-se uma ação de Robbin Hood, devolução aos pobres do que um dia o proprietário deixou de dar para eles.

Contudo, como está acima de todos, o partido que administra essa "redistribuição" também se dá o direito de pegar para si o dinheiro acumulado com os impostos. Afinal, não são ladrões, mas heróis. O PT é o partido que minimizou a desigualdade entre ricos e pobres. Também criou políticas de ações afirmativas para negros, uma lei de combate aos crimes contra a mulher, e chegou próximo de aprovar uma lei anti-homofobia.

No entanto, a crise econômica, e a ausência de políticas para o desenvolvimento da população pobre, fez com que, nos últimos anos, a desigualdade econômica voltasse a crescer. E os crimes contra gays e negros têm aumentado, sem que o Estado aumente a investigação e a punição. Ainda assim, o PT se apresenta como a única opção da esquerda, o partido que está do lado do pobre e das minorias.

Nenhum outro partido tem se apresentado carregando o ideário social da esquerda. O militante da esquerda não enxerga a possibilidade de pedir candidaturas individuais e outras reformas políticas. Ele não se vê participando no governo acompanhando-o com críticas e reivindicações. Fecha os olhos para o roubo do PT, e inebria-se com o Rei Lula e suas promessas.

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