terça-feira, 12 de julho de 2016

A verdade está no fim da história


Ao final de uma história espera-se ouvir uma verdade. Uma frase, um fato, dão um sentido que valerá para a história inteira. Faz algum tempo que ninguém leva a sério grandes narrativas. Ninguém se conduz mais, individual ou coletivamente, por grandes ideias. E se o faz, o restante dos indivíduos o considerará descabido.

Nossas vidas não têm um sentido dado de antemão. É preciso percorrê-la. Não! É preciso chegar ao final dela, para saber do que se trata. Procuro o sentido da minha vida no meu último suspiro. O que causou a minha morte, o que eu estava fazendo ou como eu estava, na vida, quando a morte chegou, são os elementos que meus observadores tomarão para dizer como eu vivi, ou quem era eu, quando vivo.

É pelo desejo de ser um observador da própria vida, inclusive, que se se adere ao espiritismo. "Os espíritos observam os vivos" ou "os espíritos carregam os estigmas do males que cometeram, e do modo como morreram". Quem crê em espíritos crê em algo com o poder de observar a si mesmo após a própria existência ter se encerrado.

O final de uma história é sempre tomado como a verdade dela, a sua revelação. Tudo o que havia de ser dito já o foi, tudo o que precisava ser feito, já o foi. O que ficou sem ser dito ou feito não era importante, no sentido de uma "verdade do ser". Nossa ideia de verdade tem, portanto, como um de seus sentidos, o de finalização.

No caso da pastora cujo filho foi abusado pelo ex-marido, comentou-se que antes disso ela parecia feliz ao lado dele: diz-se que ambos pregavam para milhares sobre como Deus havia sido generoso com ela, curando-a de uma grave doença e fazendo-a encontrar o amor e um pai para seu filho. Deus a ajudou, levou-a a uma situação que ela tomava como a final, de sua vida.

"Deus me deu essas coisas, então estou realizada. Só não morro agora que é para aproveitar toda essa graça. Mas minha vida permanecerá igualzinha até o fim dos meus dias." Entende-se Deus como um agente finalizador da vida do homem, aquele que dará o último retoque, nele. É como se Deus, tendo criado o homem, fê-lo perfeito, mas a vida que este levou provocou máculas, ou fê-lo desenvolver-se de modo meio torto. E que apenas Deus pode rearrumá-lo.

A ação de Deus entra, aí, como algo que fará o que é definitivo na vida do homem. O homem é acidental por natureza. Ele muda de ideia, de vontades. O homem não é uma boa referência para o próprio homem encontrar a Verdade.

Quem toma a ideia de Deus para entender o que houve com a pastora utiliza a ideia de um agente finalizador, alguém a quem se imagina com poderes de encerrar uma vida, de destruí-la ou de salvá-la de uma vez por todas.

O homem se engana e leva as demais coisas ao engano. Ele não sabe quando morrerá, quando o que fará terá um peso tal sobre a sua vida que acabará resultando em sua morte ou em seu eterno reconhecimento pelos outros.

O homem também não consegue limitar-se, por um fim às coisas: crianças brincam o dia e a noite inteira, se deixarmos. Mas de vez em quando há cortes, momentos em que elas dizem "nunca mais vou brincar com você". O ser da continuidade tenta colocar um limite absoluto para si mesmo. "Estou falando sério." "Segunda-feira sem falta começo na dieta". Mas dali a pouco voltam a brincar, e do mesmo jeito que deu a confusão de antes. Estão rindo, não existem limites em ninguém ali. Até que novamente inventam de querer colocar um novo limite.

Crianças se desentendem para criar um tempo para respirarem da brincadeira, que tira o fôlego delas. Entre adultos, um faz e recebe brincadeiras do outro. Se eles não estivessem ali, um com o outro, achariam estranhas essas mesmas brincadeiras. Elas fazem sentido quando o corpo é tomado pela vontade de continuar sendo o par de outro corpo, no frescobol.

Enquanto estão brincando, ninguém diz quem está certo ou errado. É um bobão o garoto que diz ser o dono da bola e sai com ela embaixo do braço. Está fora da brincadeira. Sim, ele está certo em dizer que é o dono da bola. Ele diz essa verdade como uma Verdade. E a joga na cara dos outros que, enquanto jogavam com a bola, estavam sendo os donos dela.

O garoto bobo, que cansou de perder, coloca uma Verdade que não tem nada com aquela situação.

O homem cria sua vida para continuar vivendo dentro da vida que criou. Ele diz que essa criação é conclusiva: "Estou realizado". Ou atribui esse estado dele ao divino: "Deus me abençoou.". Mas, enquanto ele vive, as coisas vão ameaçando de mudarem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário