quarta-feira, 13 de julho de 2016

Pelo fim da expressão "Pelo fim da cultura do estupro"



Cultura pode ser entendida como o conjunto de hábitos, costumes, ideias, valores, normas e leis de uma sociedade. Um elemento da cultura brasileira que eu poderia destacar, aquilo que é comum aos brasileiros e que perpassa os diferentes grupos em que eles porventura venham se dividir, é um certo modo personalista para lidar com fatos e situações.

Quando o morador da casa ao lado estaciona o carro na frente da sua garagem, você toca a campainha dele para pedir que retire o veículo. Você faz isso ao invés de chamar a polícia. A conversa com o vizinho facilmente descamba para outros assuntos, e acaba ocorrendo um convite para um churrasco.

Este jeito "amistoso" de lidar com situações que poderiam ter um tratamento institucional leva o brasileiro a muitas vezes burlar a lei, esperando justamente que o outro venha resolver com ele de forma amistosa. Há uma expectativa de que o outro tratará inclusive de prejuízos sofridos de forma personalista.

Essa característica da nossa cultura leva ao enfraquecimento da nossa adesão à lei. Seja eu o reclamante ou o reclamado, penso na possibilidade de, não havendo um entendimento entre as partes, trocar agressões com o outro.

Tal costume cultural leva também a abusadores contumazes do direito do outro, e que se cercam de uma aura de "bravos" para que ninguém venha se queixar com eles. Baseando-se nisso também se formam quadrilhas que agem pela "camaradagem" e pela intimidação muda. É o caso do policial que é simpático com o dono da lanchonete, mas espera um perfeito silêncio acerca da propina que o obriga a pagar.

A todo momento ocorrem casos de abusos contra a mulher. Esses abusos, para ocorrer, precisam deste aspecto da cultura que é o silêncio diante do poder. O homem que canta a mulher na rua não é um abusador, pois age às claras. A propaganda com a mulher de biquini não incentiva o abuso ou o estupro. Pelo contrário, a mulher que se exibe e é valorizada passa a se ver e a ser vista como possuindo alguma força.

A mulher do outdoor sabe que, quanto mais é vista e apreciada, mais confiante se sentirá. E mais os homens farão coisas para se submeterem a ela.

A mulher submetida é aquela que se esconde, não se exibe e silencia quanto ao que deseja. Ela encontra um homem que se dá a liberdade de dominá-la, impor sobre ela as vontades dele.

Uma reação ao silenciamento pelo poder, e também uma característica cultural nossa, é a grita contra aquilo que parece ser o agente do poder. Há gritos denunciadores os mais diversos: contra o racismo, contra a pedofilia, contra a cultura do estupro.

Pegando o caso deste último, aponta-se as propagandas, as cantadas, as violências, as piadas que tenham como objeto a mulher como partes da "cultura do estupro".

O estupro não faz parte da nossa cultura. Ninguém se colocaria num espaço de conversa dizendo que estuprou ou que estuprará alguém. Mesmo em grupos de homens que pratiquem abusos de poder contra outras pessoas a conversa sobre um estupro, ou mesmo um assassinato que cometeram, ocorre à boca pequena. Eles não dizem isso abertamente, sabem que é uma prática que não é aceita, nem por eles.

Por isso, o estupro não chega a fazer parte da cultura. Mas o silenciamento para o exercício do poder, sim, faz parte. E esse silenciamento de quem exerce o poder é que deve ser combatido.

A campanha "pelo fim da cultura do estupro", ao bater em práticas que se mostram, inclusive as da mulher que se sente bonita e gostosa na propaganda, desvia a atenção do problema e ainda persegue quem não tem culpa.

A grita, ao não discernir aquilo que provoca os abusos daquilo que não tem nada a ver com eles e, no caso da mulher na propaganda, antes contribuem para acabar com eles, leva à outra forma de violência, oposta à da ação escondida, que é a reunião de um sem número de pessoas para linchamentos presenciais e coletivos.

Pessoas que gostariam de formar quadrilhas para agir na surdina para exercer suas vontades, ao perceberem que há uma fala mais ou menos geral defendendo aquele mesmo ponto de vista, saem da toca e atacam em bando. Aparecem não como os agressores que são, mas como "vítimas de agressão".

Pessoas descontentes com a lei, inclusive com a lei que pune seus políticos favoritos, unem-se para atacar juízes, quando percebem que há muitas pessoas discordando das decisões destes juízes. Não se importam de serem filmados. Antes querem isso.

Policiais militares que em situações normais escondem as torturas e execuções que cometem em favelas, no anos 90, quando os jornais diziam que a criminalidade estava elevada e que a população carioca estava com medo, saíam diariamente em notícias de jornais dizendo de execuções.

A maior parte das pessoas, porém, não está à espera de uma oportunidade para exercerem livremente suas maldades. Elas querem dar suas opiniões. A grita "pelo fim da cultura do estupro" é fácil, arrebanha muitas pessoas pois não exige discernimento a respeito de se existe mesmo uma "cultura do estupro", ou de quem seria o seu perpetrador ou elemento facilitador.

Carrega pessoas até bem intencionadas, querendo a redução da violência contra a mulher. Mas obtém o efeito contrário, fazendo os verdadeiros abusadores se esconderem ainda mais, junto de suas vítimas.

Esta campanha também desestimula que as mulheres prossigam na exibição da sua beleza, o que as tem levado a sentirem-se à vontade na sociedade, e a estudarem e a trabalharem mais, com mais reconhecimento.

A saída da situação de silêncio para a de fala e militância precisa vir acompanhada com estudo e reflexão. Ou apenas se estará trocando a barbárie oculta pela barbárie aberta, tão ignorante quanto e com maior poder destrutivo pois, sendo comunicável, traz mais gente para cometê-la.

Mas dizer isso que estou dizendo pode levar-me a ser acusado de opressor, por aquele que não gosta de estudar e pensar.

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