domingo, 28 de agosto de 2016

O prazer e o além do prazer


Hoje assisti a um Tom e Jerry. Tom dormia ao pé da dona. Jerry viu a geladeira esquecida aberta, cheia de comida. Sem que ninguém o incomodasse, e sem incomodar ninguém, Jerry pegou tudo.

Enquanto ele armava um pic nic no jardim da casa, a mulher acordou e percebeu a falta da comida. Acusou Tom, que chegou a apontar para o buraco habitado por Jerry. “Nem adianta culpar o pobre ratinho”, disse-lhe a mulher, pespegando-lhe uma vassourada que o atirou no jardim.

Tom aterrisou na grama. Dolorido, procurou o conforto de uma rede. Engatou um sono, quando percebeu que Jerry preparava-se para abocanhar um hot-dog. Tom não chegou a fazer nada: uma formiga começava a carregar um bolinho para fora da toalha de Jerry, que largou o hot-dog e tratou de enxotar a ladra.

Tom achou curioso aquilo, e ficou assistindo. Após reaver o bolinho, Jerry descobriu a formiga embaixo de um cacho de uvas que se movia sozinho. Em seguida, a formiga atacou outra comida, e depois mais outra, e Jerry não conseguiu sossegar. A formiga tinha fome, assim como ele.

Jerry ficou extenuado ao lidar com a formiga. Suspirou, fechou os olhos por um segundo. Quando abriu os olhos, o pic nic inteiro havia desaparecido com toalha e tudo. Apenas uns pedaços de queijo restaram na grama. Jerry apanhou-os, triste. Tom apareceu para acariciar-lhe cabeça, como quem reconhece a dificuldade dele. Aquele carinho também disse que a uma pessoa cabe aquilo que ela tem diante de si. Mesmo que um rato tenha uma grande fome, a ele cabe, no máximo, um pedaço de queijo.

Jerry conformou-se, e saiu. Tom disfarçou, foi para uma outra parte do jardim e encontrou o pic nic perfeitamente arrumado pela formiga. Eles se cumprimentaram, Tom deu a ela um pedaço de bolo e então ficou com aquilo tudo só para si.

Tom realmente não tem fome. Ele comerá toda a comida simplesmente por ela ter ficado com ele. Caso isso não ocorresse, ficar dormindo aos pés da dona estaria bom. Mas o rato perturbou aquela harmonia de cozinha com geladeira cheia. A fome desmedida do rato fê-lo armar um banquete. Caso Jerry tivesse conseguido comer em paz, aquela comida o explodiria mil vezes.

Tom agiu sobre esta situação através de um bicho de tamanho próximo ao de Jerry. Próximo no tamanho, mas não na posse de um buraco impreenchível: a formiga só queria o bolo. Formigas são acumuladoras, mas parecem ter limites. Para Jerry aquela formiga está mesmo interessada em toda a comida, e lhe parece inconcebível que ela possa comer tanto. Jerry ficou como um homem que tenta salvar objetos seus em uma enxurrada: “pra que ela precisa comer tanto? porque essa força tão destruidora, consumindo a minha vida?”.

Não, a enxurrada não quer o que é dele. E quando é uma formiga, ela também não quer levar tudo. O homem acha que uma grande força conspira contra ele E que esta força eventualmente pode vir na forma de um pequeno assaltante, que carrega pouco, mas que se faz seguir por uma cadeia infinita.

O rato comeria até explodir. Ele quer o sabor. Mas alguma lei não o permite fazer isso. Em todos episódios do desenho, Jerry tenta ganhar acesso a um mundo de comida. Ele sempre tenta comer até explodir. Mas o Tom humanístico não permite essa folgança.

Comer dá prazer, mas, por isso mesmo, ficamos perturbados com isso. Achamos que é preciso buscar algo maior do que este prazer. Ou o prazer de algo maior.

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