quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Morrer faz parte da vida


Conheço quem levanta da cama e escreve qualquer coisa contra o governo. Qualquer coisa que houve de perigoso no caminho para o trabalho. Uma boa dica de alimentação saudável, ou de educação de filhos. Que selfie é ruim. O mundo vai piorar. Ou os problemas têm uma solução. A história dos fatos aponta para essas certezas do profeta. Ele te pega para acreditar nesses mitos, e junto dele se desesperar, então ter uma esperança dirigida.

Oscila entre o tédio e o terror, o fanático. Compra um carro, põe uma maquiagem, leva o corpo a sério. Seu corpo é a realização de uma ideia fixa. Ele nunca morre. Ideias diferentes, sensações novas, um crime ocorrido em sua rua, ele os odeia, pois ameaçam sua eternidade. A morte não está em seu horizonte.

Cioran diz que viver a angústia, ao longo da vida saborear a morte, é morrer muitas vezes. O corpo é orgânico, decadente, mas também é manequim triunfante. Sem se perder em profundidade melancólica, e sem levar a sério a si mesmo, o manequim desfila e ri da passagem dos anos.

O manequim abraça a morte, e passeia. O fanático adora ao si mesmo repetitivo. De um mundo vazio e apocalíptico, quer ser o único acontecimento, o novidadeiro. Mas não diz nada novo.

O corpo sente uma dor, e a cada dia morre. O manequim, então, se maqueia. Nos 1920, Freud sentiu uma dor insuportável na boca (leia isto em "Freud: uma vida para o nosso tempo", de Peter Gay). Os amigos íntimos não lhe disseram que era câncer. Não queriam abalar o Grande Pai. Freud operou-se algumas vezes, pôs uma prótese no palato. Alimentar-se era difícil. Fumava diariamente. Prejudicado em uma das audições, mudou a poltrona de lugar e continuou trabalhando. A morte sempre esteve com ele. Freud, então, considerou-a com raciocínio especulativo, livre na imaginação. Instinto de vida e instinto de morte.

Freud aprendia com seus pacientes, aprendeu enormemente consigo mesmo. Era aberto à vida, pois considerava a morte. Morrer é mudar, é a forma de mudar a vida, por fim a algo e começar o novo. O fanático só morre uma vez. Vive como se fosse viver para sempre. Não se preocupa em sentir o que está em volta, as palavras e ideias que lhe ocorrem. Está blindado para a vida.

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