sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Vem comigo, meu amigo


A leitura de Cioran me deu vontade de encontrar meus amigos. Eu queria falar o que descobri, ainda muito próximo ao texto. Ao chegar ao local da reunião, fui o primeiro a falar. O que eu havia lido era tão interessante! Meu amigo Paulo ouviu, recebeu, e a conversa de todos desenvolveu-se a partir disso. Conversamos sobre a folha plana do texto. Pegamos o sentido do seu vocabulário.

Paulo vem falando pra mim e meus outros amigos sobre a necessidade de desligarmos a nossa função cerebral "autocompletar" (http://ghiraldelli.pro.br/ler-em-2016/). Volta e meia, eu ainda a utilizo: na reunião falei do flâneur, figura da Paris do século XIX, pintada por Baudelaire. O flâneur olha as pessoas e acontecimentos das ruas, detém-se observando alguma coisa, mas logo prossegue o passo, até parar para outra observação. Os ricos, os pobres, as construções e os destroços modernos chamam igualmente a sua atenção.

Eu disse que não havia consequência política do que faz o flâneur. Paulo apontou, aí, o autocompletar. Porque consequência necessariamente tem que ser política? O que a palavra consequência pode nos dizer?
Ser co-sequente pode ser eu e você sermos um a sequencia do outro. O feito do flâneur tem uma consequência, pois ele e os objetos sentem-se mutuamente, um é sensível ao outro. Baudelaire também foi uma sequencia, para o flâneur, ao escrever sobre ele.

Outra vez em que autocompletei foi ao tomar o assunto sobre o qual falávamos, o fanatismo em Cioran, como fanatismo político. Aprendi que fanatismo é político. Não apenas eu aprendi isso. Temos até deixado de lado o fanatismo no futebol e o musical. Na ânsia por atingirmos algo com nossa fala, passamos por cima das palavras.

Não precisamos associar "político" a "fanatismo". Fanático, em Cioran, é todo aquele que tem o impulso irresistível por dizer algo a alguém, querendo ajudá-lo. Seu objetivo de vida é uma ideia fixa, uma insistência, uma infernal vontade de ser o acontecimento, em um mundo no qual ele sabe que só há tédio.

Autocompletar, ou aplicar, às palavras com que você se depara, palavras já aprendidas, querendo fazer cumprir uma eficácia, faz com que se perca o sentido do que está acontecendo com você. Sinta o tédio, sinta os movimentos involuntários musculares quando você está diante do seu amado, sinta a dor no peito quando você vê uma injustiça, sinta as pernas pesadas quando você quase cai no chão: acontecimentos que estão aí, e não precisam ser necessariamente ponte para que se adote uma certeza, contra o tédio, ou reaja irracionalmente contra uma injustiça, ou não perceba como o nosso corpo se prepara para reagir aos perigos. Você pode curtir mais seu amor, atentando-se para o quanto ele te faz sentir prazer, ou, às vezes, dores de separação.

Para os meus amigos levei minhas impressões, as marcas que o texto deixou em mim. Eu continuo as sentindo, mesmo tendo falado aquelas palavras. Permanecemos no espírito do Cioran, vendo-o ao ver as coisas na perspectiva dele. Levamos nossas marcas para nossos amigos, pois a conversa dá sentido ao acontecimento, e não o afasta do corpo.

Um homem correu para o amigo, para contar sobre o chifre que levou. Na presença dele, chorou.

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