quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O justiceiro que você não quer ser

Em O Protetor (dir. Antoine Fuqua, 2014), Denzel Washington é Robert Mccall. Todos os dias ele vai a uma cafeteria, para ler. Senta-se à mesma mesa, sobre a qual dispõe seus objetos com muita meticulosidade. Não inicia conversas com ninguém. Uma jovem prostituta, que também sempre aparece por lá, pergunta-lhe sobre o livro. Ele responde, com delicadeza. Ele a vê aborrecida com o trabalho. Em outro dia, a vê apanhando de um homem que chegou de carro. Mccall trabalha em uma grande loja de departamentos. Ajuda um colega a perder peso, pois ele fará teste para ser segurança da loja. Em seu trabalho, mostra-se habilidoso com os objetos e atencioso com os demais. Provavelmente ele teve uma outra vida antes dessa, e por algum motivo precisou deixá-la. Agora era um bom empregado e um ótimo colega, daqueles que "se importam". Ninguém o pergunta sobre sua origem, mas não por receio de alguma coisa. A América dá oportunidades. A jovem prostituta é espancada. Mccall a visita no hospital. Seguindo a pista de um cartão de visitas, ele vai ao escritório de gerenciamento das prostitutas. Oferece dinheiro ao chefe, em troca da liberdade da garota. Era uma linguagem que os cafetões deveriam entender. Cafetões russos. Não foi aceito, o dinheiro. Como perderiam uma de suas escravas? Não era tanto pelo lucro... Mccall então mata um por um dos cafetões da sala, com muita rapidez. O escritório era um tentáculo de uma rede mundial de exploração de prostitutas. O comando central era um membro da máfia russa. Um investigador e assassino é enviado. Logo descobre que a chacina fora coisa de profissional. Onde encontrá-lo? Nunca em uma loja de departamentos. Após ter deixado uma vida para trás, Mccall via aqueles com quem agora convivia sofrerem com gente cruel e poderosa. Aquiles perdeu Briseida, uma mulher que ele havia tomado para si, numa guerra. Agamenon, o general dos gregos, retirou-a dele. Por isso, o excelente guerreiro recusou-se a ajudar seus conterrâneos contra os troianos. A morte dos gregos não o comovia. Pátroclo, seu amor, vai ao campo de batalha, fingindo ser Aquiles. Seu intuito era intimidar os inimigos. No entanto, é vencido e morto por Heitor, o maior dos troianos. De assassino Aquiles era chamado. Significava perigosíssimo guerreiro, daqueles que decidia uma batalha. Com o insulto de Agamenon, recolheu-se. Apesar dessa auto-contenção irada, doída, seu amor fora morto. Levantou-se, encolerizado. Em "I always will love you", da banda Bodycount (cd "Manslaughter", 2014), o rapper Ice T fala sobre o jovem americano sem trabalho, desistente da escola, que deixa sua família e alista-se no exército. O duro treinamento conclui o trabalho de fazer dele alguém que só apanhou na vida e anseia pela hora certa de retribuir. Na guerra, matou muitos. Defendeu o seu país. Contudo, não recebe o respeito e o reconhecimento merecidos. Na musica, o seu sacrifício é reconhecido, ele sempre será amado, pelos cidadãos orgulhosos do seu país. Será bem recebido na casa destes poucos, como a um irmão. Mccall, sem lar, havia sido perturbado no seu descanso. Fez justiça, pela garota. Assim que ficou sabendo que estava sendo procurado pelo assassino russo, não ficou na defensiva: passou a também investigá-lo. Desbaratou os esquemas lucrativos dos russos, que envolviam exploração do trabalho de idosas. Em reação, estes sequestraram os colegas de loja, dele. Ele então levantou-se para matar. Havia prometido, à mulher que perdeu, algo sobre não voltar a ser como foi, um dia. Mas, diante as atuais circunstâncias, teria que responder de forma cruel às crueldades que sofriam os seus. No confronto entre Aquiles e Heitor, o grego desarmou o inimigo e matou-o. Matou um homem sem chance de se defender? Não, matou um grande guerreiro, que havia perdido a luta. Não matá-lo seria desonrá-lo. Matar alguém sem chance de defesa, em nossos tempos, é condenável. Não está a nosso alcance tirar a vida de alguém, o cristianismo ensina nossa cultura e constituições. Mccall mata seus caçadores. Encontra o grande investigador e assassino. Atira algumas vezes nele, deixando-o ajoelhado, indefeso. Matou-o. Não pagaria de novo o preço de viver fugindo e de ver os parceiros da nova vida sofrerem ameaça. Agiu ferozmente contra aquela força exterior à sua comunidade, a fim de preservá-la. Em uma guerra, há regras para a agressividade do soldado. Afinal, não é porque o inimigo não é da comunidade do soldado, que poderá sofrer de tudo. Mas o soldado cruel ainda tem uma comunidade, ou será bem recebido, em uma? Em "Rambo, programado para matar" (dir. Ted Kotcheff, 1982), Rambo é um ex-combatente americano, no Vietnã, condecorado, agora vagando pelas ruas de uma cidade que não o conhece. A polícia percebe o tipo dele, e fica vigiando. Rambo diz que lutou por seu país, mas agora é um pária. O xerife puxou a ficha da "máquina de matar". Seu país agora o quer ou como errante quieto, ou como enjaulado. Mccall foi assistido, matando o assassino russo, pelo seu colega chefe de segurança, aquele que recebeu sua ajuda. O olhar da testemunha era de entendimento, porém terror. Era uma ação intolerável numa comunidade. Uma bestialidade, mas que a manteria segura. Houve apenas uma testemunha, que não falaria. Naquela noite, Mccall foi novamente quem nunca deveria ter existido. No dia seguinte, retornou ao seu lugar na cafeteria. Continuou o livro de onde havia parado.

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