sábado, 8 de outubro de 2016

Encontro de amigos


Haverá em um teatro de Niterói um círculo de monólogos interpretados por grandes atores: Lázaro Ramos, Matheus Nachtergaele e Fernanda Montenegro. Para os dois primeiros, o ingresso é de R$ 40,00. Para a Fernanda, é de R$ 60,00. Neste momento não sei o que pensar a respeito dessa diferença no valor do ingresso.

Minha mulher falou que é porque a Fernanda é mais conhecida. Falei que os outros também são. Então minha mulher soltou o argumento imbatível de que ela tem mais experiência. O ingresso para assistir a Fernanda Montenegro é mais caro do que para assistir outros atores. A frase ficou acabada, como num livro.

Um livro não conversa. Nem mulheres. Sócrates bem o sabia, por isso ia filosofar na rua. Outro filósofo, Sloterdijk, disse que livros são cartas dirigidas a um amigo distante. Esse amigo pode ser alguém ainda não nascido. Certamente é um amigo até então desconhecido do autor.

O autor não conhece seus leitores, mas seus leitores conhecem-no. No sentido de que um livro é uma carta, ele é uma mensagem. Inserido numa cultura, num cultivo de homens, essa mensagem é formadora. Não enviamos cartas a quem nos formou. Mas enviamos a amigos, e com eles conversamos sobre o que está nos formando.

Mas será que essa conversa pode ser constante? Será que, caso o leitor enviasse uma carta-resposta a um autor, a conversa entre eles iria render, se alongar? Penso que logo cada um iria mostrando empecilhos, para continuar.

Conversa me parece algo que surge de um encontro. Você encontra uma pessoa, tanto faz se é alguém a quem você já conheça ou não, e passa horas com ela. “É como se eu te conhecesse há anos.” Isso não é fácil de acontecer.

Em um encontro de pessoas que amam o saber, um prepara o que dirá ao outro, escuta-o com atenção e prepara uma resposta. Tudo feito com carinho e cuidado. Há o prazer de ouvir as boas formulações do outro. Há o grande prazer de ver a sinceridade do outro. Há o enorme prazer em dizer um pensamento bem pensado. Há o raro prazer de poder ser sincero, pois se está num lugar em que isso não é problemático.

A sinceridade é um esforço para dizer algo. Uma frase cliché é pobre e repetitiva por ser o recurso de alguém que não está sendo sincero.

Você dá a sorte de encontrar um bom livro. Acontece de estar numa época de sorte, e encontra alguém para falar, sobre ele. Guardará esses momentos para sempre. Em contextos apropriados, você falará desses momentos para outras pessoas, querendo que elas também vivam isso.

Dez horas, no máximo, foi a soma da leitura e da conversa que um dia você teve. Mas esse tempo é daqueles que fazem uma pessoa dizer que dá valor ao tempo que tem. E que dá valor às coisas que diz. Porque esse tempo passou com o homem se intensificando. E também porque ele permanece algo válido a se dizer, para os outros. É bem diferente das coisas que dizemos em nosso dia-a-dia, para cumprir um papel.

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