domingo, 16 de outubro de 2016

Literatura de alto impacto


Parei num orelhão. Havia livros em cima e embaixo. Havia “Urupês”, do Lobato. Puxei o corpo mergulhado no orelhão. O pasteleiro nem olhava para o meu lado. Aquilo era gente querendo deixar livros para alguém. “Desapego” misturado com disseminação da leitura.

Pegava os livros brasileiros mais velhos da biblioteca. E desconhecidos. Só eu sabia daquelas histórias e nomes. Capa e páginas quebrando. Comprando ou ganhando, esses velhos iam comigo morrer lentamente os cinquenta anos que tinham pela frente. Eu não apressava sua deterioração, segurava-os com cuidado. O papel amarelece e endurece, como folha de árvore.

Sempre alguém acaba desgraçado nos contos do Lobato. Para essa estréia, ele dizia “ou entro ou racho”. Personagens morriam ou faliam. Também rachou a cara do intelectual que idealizava o caipira.

Contos são para rachar. O prefácio aqui diz: o efeito pretendido era o leitor levantar o pescoço para olhar mosca invisível. Parada para respirar. Algo aconteceu no texto escrito e não escrito. A história inclui o leitor na queda do personagem.

O escritor ansiava para desferir aquele golpe. Sentia um prazer armando a arapuca. Preparando um veneno que não age rápido. É o mesmo prazer que sente o leitor que indica esta leitura para um amigo: enquanto o amigo lê, o leitor fica olhando de rabo de olho, só para pegar o exato momento da queda.

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