sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Psicologia pobre


Há manuais de psicologia que utilizam Foucault para criticarem a própria psicologia, dizendo que ela nasceu com base no “racionalismo cartesiano”. Em uma faculdade onde não se ensina Descartes, mas só os textos desses manuais, os alunos, a partir deles, já se sentem conhecedores de Descartes. A partir de um conhecimento de “ouvir falar”, os alunos já se sentem à vontade de comentar sobre Descartes, ou até criticá-lo.

Em uma matéria eletiva, também na graduação em psicologia, o professor apresenta um texto do Nietzsche. Nietzsche não quer ensinar a história da filosofia. São textos críticos, que pressupõem que o leitor saiba sobre o que ele está falando. É uma leitura que precisa ser feita só após outras terem sido feitas. Assim também são os do Foucault.

Naquela aula sobre Nietzsche, o professor conta que o filósofo está atacando a ideia de que existe um mundo além do sensível, onde possa haver um fundamento para a verdade. O aluno engole rapidamente todas as ideias que os professores lhe jogam, para depois vomitá-las na prova. Uma ou duas dessas ideias esse aluno escolhe para usar de camiseta.

Particularmente, lembro de quando eu estudava um autor de psicologia social chamado Serge Moscovici, que construiu sua teoria mais conhecida, as Representações Sociais, dizendo que elas eram formas de conhecimento dinâmicas, em comparação à “falta de dinamismo” das representações coletivas de Durkheim. O jovem bobo já criou uma antipatia pelo clássico da sociologia e da modernidade.

Deixar de lado o “sujeito racional”, para abraçar um “sujeito corporal”, está mais para a crítica do que o senso comum diz respeito de Descartes. Sendo assim, é uma crítica que é ela mesma senso comum. Esses alunos, e também seus professores, cometem o pecado de não lerem Descartes e Platão, e de falaram deles. Mais do que isso: deixam de ter o prazer e a formação que vêm destas leituras.

Qualquer diálogo do Platão é melhor escrito do que qualquer coisa que se encontre por aí. E também mais gerador de ideias, para o leitor que não faz como aquele aluno. Ler Platão, Descartes e Durkheim não são apenas preparatórios para Nietzsche e Foucault: é dotar-se de óculos para se enxergar a própria época, não importa a época em que se esteja.

Os que perdem os clássicos não têm condições de lerem os autores contemporâneos. Um leitor de Foucault, que também seja leitor de Platão e Nietzsche, pode fazer mais do que simplesmente entendê-lo: ele conversa com o Foucault, refaz o seu pensamento.

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