sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Lulismo narcisista


A criança pequena ama a si mesma. Desse amor, ou ela destinará uma parcela ou destinará o amor inteiro para investir num objeto externo a ser amado. Havendo uma frustração desse investimento, a libido volta para o eu. Contudo, mesmo quando está investida no objeto externo, a libido ainda tem sua raiz no amor ao eu.

Amar alguém nunca deixa de significar amor próprio: todas as qualidades da pessoa com quem você se relaciona são elogios a você mesmo; todos os defeitos dele depõem contra você. E, onipotentemente, você entende que foram as suas qualidades ou os seus defeitos que fizeram o outro querer, respectivamente, estar com você ou se separar de você.

Essa construção do eu narcisista, o eu ideal, é de Freud, e está nos Três Ensaios para uma Teoria da Sexualidade. A partir dela, é possível enxergar o narcisismo do amor do militante por Lula.

Uma pessoa que se coloca como defensora de um partido ou de um político não é um participante dos processos que possam estar sendo movidos contra essas figuras. Ele é movido por paixões. E, na sua defesa ou nos seus ataques, usa informações que colheu seletivamente da mídia.

Não sei se os crimes do Cunha estão mais comprovados do que os do Lula. Portanto, não coaduno com o que os defensores de Lula dizem, de que há sustentação para se manter o primeiro preso, e que não há sustentação para se prender o segundo. Repito: militante não é advogado ou juiz nesses processos.

No caso do militante pró-Lula é possível perceber que há, ao mesmo tempo, a ciência e a tentativa de ocultar os ilícitos dele. Todos dizem que algo é errado, inclusive o seu pai, mas o jovem insiste em virar o rosto e fazê-lo. Ama sobretudo a si mesmo.

O PT era o partido da honestidade. Lula foi eleito com a missão de acabar com a pobreza e a desigualdade social, no Brasil. Isso tudo veio abaixo, com os escândalos de corrupção (repito mais uma vez: como não somos figuras jurídicas no processo, as notícias, comuns ou escandalosas, são o que temos para pensar) e o enfraquecimento das políticas sociais.

Diante de tudo isso, Lula se comportou como se a justiça estivesse errada em investigá-lo, como se ele fosse maior do que ela, como se ele fosse um cidadão especial, inimputável, devido às suas “nobres” intenções.

Os não militantes pró-Lula, vendo isso tudo, agora têm uma paixão anti-Lula. E essa paixão não tem nada a ver com ser de direita ou anti-esquerda. É uma paixão pela honestidade e boa capacidade de governo, que são avaliadas por nós, nas figuras públicas, através das notícias.

Todos sabemos que Lula cometeu crimes. Aqueles que lhe são favoráveis, contudo, tentam esconder isso. Defendem o Lula até o fim, pois também estão pondo em jogo a própria honestidade, ao fazê-lo. E qual seria esse fim, ou até onde vai essa defesa? Justamente até a prisão do Cunha, talvez a do Aécio e do Temer.

Esses adversários políticos do PT, também envolvidos em crimes, se punidos antes do Lula, darão ao lulista a sensação de que ele tem alguma razão, defendeu um “bandido menos pior”. A ideia do “rouba mas faz (pelo social)” é a sustentação inconsciente da defesa do Lula.

Mas, e se o Lula cometeu crimes piores do que os outros? Também consideramos essa possibilidade. Assim, o Lula torna-se uma espécie de Pablo Escobar, para os seus defensores. Um santo, meio incompreendido meio ladrão daqueles que não são do povo.

A um grande preço o lulista aceitaria a prisão dele. O mundo todo precisa estar errado, antes que ele possa dizer uma palavra contra aquele que sobretudo ama a si mesmo. Egoistamente, o lulista quer que todos paguem por seus crimes, para então aceitar o Lula sendo preso.

O ego ideal é a manutenção de um estado psíquico infantil, em que a criança se vê como o centro do mundo, e tendo que ser agradada. Não sendo agradada, ela deseja mal aos outros, que só puderam ter desejado o mal dela. Erros são encobertos, com o uso dessas justificativas, para não trazer desprazer à própria consciência.

Todo mundo sabe ter sido uma criança que fez muitas coisas erradas, mas ao mesmo tempo colou justificativas a esses erros, absolveu a si mesma. Lula chora, fica emocionado, chama a atenção como uma criança. O militante sai em sua defesa, entendendo que Lula precisa desviar das acusações (sobretudo das auto-acusações, que o militante sabe serem as piores que existem).

O militante quer mostrar ao Lula como manter-se com o ego íntegro, acreditando no próprio ego ideal, ou seja, acreditando que todos são contra ele, que é o mais honesto e certo de todos.

Mas, veja, Lula é alguém que sabe muito bem fazer isso: se parece frágil é porque entende que isso faz com que as coisas andem como ele quer. Ele sabe que comove as pessoas. O militante antes aprende o que é narcisismo onipotente com Lula do que o ensina.

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