sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Wagner Moro


Pablo Escobar morreu há mais de vinte anos. As coisas que ele fez, na Colômbia, são conhecidas. Nas fotos de divulgação da série Narcos, Wagner Moura tem no rosto uma expressão que não pode ser interpretada de uma só maneira. Os feitos de Escobar produziram tanto admiração e seguidores quanto repulsa. Que ele deu algum dinheiro aos pobres, é verdade. Que ele foi um terrorista, é verdade também. O rosto do Pablo, de Moura, tem essa dubiedade, e reaquece um pouco o amor e a repulsa por ele.

Por que reaquece um pouco? Porque Wagner e a série Narcos não formam defensores ou condenadores firmes, para Pablo. Parece que um dos sinais de que um acontecimento ou episódio ficou no passado é a dubiedade com que olhamos as suas figuras notórias. A mesma pessoa que hoje vê em Pablo um bandido, também pode ver nele um benfeitor aos pobres. Quem tinha que morrer já morreu. Quem tinha que ganhar dinheiro por causa dele, já ganhou. Ninguém se comove mais por Pablo.

Ontem foi noticiado que Wagner Moura havia recusado um convite para fazer o papel do Juiz Sérgio Moro, em uma série sobre a Operação Lava-Jato (http://www.uai.com.br/app/noticia/series-e-tv/2016/10/17/noticias-series-e-tv,195605/wagner-moura-recusa-papel-de-sergio-moro-em-serie-da-netflix.shtml). Uma notícia falsa. Disseram, inclusive, que o ator havia declarado não interpretar “mau-caráter”, brincando com a contradição por Moura ter feito Pablo Escobar.

Apesar de falsa, a notícia me fez pensar sobre como seria para um ator brasileiro interpretar, hoje, Sergio Moro. O rosto de Moro é sempre conforme a atuação dele como juiz: ele recebe dados de investigações criminais, indicia e emite mandados de prisão. O rosto de Lula é conforme a imagem que seus defensores possuem dele: um homem com ideais e inimigos, e que peleja para realizar o que quer e para defender-se de acusações. O rosto de Moro é sério, sugerindo que o importante, nele, são suas decisões. O rosto de Lula é risonho, bravo ou choroso, sugerindo que o importante nele são suas emoções.

O rosto de Lula e de Moro são o rosto que seus apoiadores, em certa medida, vêem como o seu próprio: um guerreiro injustiçado, de um lado, e um empedernido realizador da justiça. Um rosto não quer ser confundido com o outro, e não se percebe um traço de segunda intenção em cada um deles.

Para um ator que, em sua vida pessoal, defenda uma dessas figuras públicas, é difícil interpretar a outra. Quanto mais calorosa é a defesa, maior é a dificuldade em interpretar o outro. E maior seria o prazer em interpretar a figura que ele apóia. Mas menor seria a riqueza desta interpretação, como menos nuances ela seria apresentada, com zero chances de dubiedade.

As paixões políticas nos limitam. Criam compromissos entre a pessoa e quem a conhece, e também com a própria consciência. Mais do que uma opinião, a paixão política é um impulso por se colocar a favor ou contra uma figura política. A pessoa não quer se contradizer ou ser pega se contradizendo, neste ponto, sendo pega tendo ímpetos em defender aquele a quem anteriormente atacou.

Mas, depois de alguns anos, você pode ficar sabendo de alguns arrependidos que, contudo, não sentem vergonha. O tempo muda as opiniões e desculpa os ímpetos. E cria personagens não mais comprometedores. Pessoas que se dizem ateias podem interpretar Jesus. Bem, defensores de direitos humanos não interpretam Hitler, a não ser acentuando-o como o sumo mal (Deus está morto, mas o Diabo não?).

Talvez para figuras em quem depositemos o absoluto o tempo não faça efeito, não amaina nossas paixões. Este não é o caso do Lula ou do Moro.


p.s.: Este texto é uma versão modificada de um outro texto, que tomava por verdadeira a notícia de que Wagner Moura havia sido convidado, e recusado, a interpretar o juiz Sérgio Moro. Fiz esta modificação quando do desmentido da notícia.

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