domingo, 20 de julho de 2014

As lições e o erro de Laerte

Laerte tocava flauta e namorava Helena. Encantava outras garotas, com sua arte. Não conseguiu, contudo, encantar completamente Helena. Ela tinha o Virgílio. Laerte não conseguiu casar-se com ela: foi detido por um atentado contra o rival amoroso. Assim que desvencilhou-se da justiça, viajou. Formou-se um homem integral. Além dos estudos regulares, estudou música. Ficou lindo de corpo e refinado de espírito. Um nobre, como sua mãe desejou que ele se tornasse. A mãe fez de Laerte um mito, o filho que se preparava para tornar-se o herdeiro da nobreza da família. "A mulher é atendida e honrada não só como um ser útil, como sucede no estágio campesino descrito por Hesíodo, não só na qualidade de mãe dos filhos legítimos, como se vê na burguesia grega dos tempos posteriores, mas acima de tudo e principalmente porque, numa raça orgulhosa de cavaleiros, a mulher pode ser mãe de uma geração ilustre. Ela é a mantenedora e a guardiã dos mais altos costumes e tradições." (Werner Jaeger, Paideia. p. 46). Laerte voltou excelente em tudo. Seu som atraía a atenção de todos, principalmente das mulheres. Foi parceiro de uma. Professor de outra. Sua beleza integral encantava, atraía. Cada ato seu, tocando, fazendo sexo ou discutindo pretendia educar, transmitir sua nobreza. Não as amava. Seu amor estava com a única mulher que não conseguiu fazer render-se: Helena. Ela o amava com uma dedicação de sentimentos, não de atos. As encantadas, sim, eram só dele. No dia do casamento com Luísa, estava confiante. Encorajou a estudante de piano, a quem ensinava, a expressar toda a urgência do seu desejo por ele. Ele adorava ver a mulher se rendendo. Beijou-a brevemente. A antiga parceira chegou, a aluna escondeu-se, e a conversa foi sobre a necessidade dele em possuir as mulheres. Para ele, eram lições de refinamento. Mas, na verdade, fazia-as experimentarem a beleza dele para, então, entregarem-se por completo, ficarem suas escravas. Em algumas horas, ele teria a sua Helena. Finalmente a dobraria. Descuidou-se na conversa, perdeu a nobreza e disse estar apenas passando o tempo com aquela menina, a estudante. Jamais ficaria com ela. A estudante ouviu. Ela era um nada na história de Laerte, uma conquista menor frente às outras. No casamento, todas assistiram ao grande conquistador aliançar-se com Luísa. Elas sempre seriam dele. A estudante foi a única de quem o encanto se quebrou e virou choro. Laerte não a viu na igreja. Não viu de onde veio o tiro. O tiro veio de lugar nenhum. Laerte morreu sob a chuva, olhando para cada uma das suas mulheres e tendo flashbacks de beijos. A última imagem foi a da garota com raiva e salto alto, segurando uma arma, com o braço esticado, relaxado.

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