quinta-feira, 10 de julho de 2014

O nada e o alguma coisa

Uma mulher, andando com sua namorada, é agredida verbal e fisicamente, em Ipanema. Passou no RJTV. Nossa vida em sociedade é um constante retraçar de regras para o comportamento público e o privado. A criação de quartos individuais e banheiro privativo, no aburguesamento da casa brasileira, a partir de de 1808; proibições ao homem batendo em mulher, em casa, ou em filho gay; leis contra "palmadas pedagógicas"; o direito do divórcio para a mulher, e outras mudanças, são retraçamentos de regras do comportamento privado, com vistas à civilização enquanto suavização de relações e ampliação de liberdades individuais. O esgotamento sanitário das ruas do Rio, em meados de 1800, interrompendo o transporte de dejetos, por escravos; a abolição da escravatura; a lei seca, a lei anti-racismo, e as propostas de lei anti-homofobia, entre outras, fazem as mudanças no público. São um recolocar das regras de convivência social, que apontam mais do que para a tolerância das diferenças: levam ao prazer do contato com elas, e ao enriquecimento das nossas experiências. Há resistências a este processo. Geralmente os que não se sentem vencedores no trabalho, negócios, e se ressentem de quem é ajudado pelo governo, em ações de equalização de oportunidades. Os que temem mudanças de valores e ethos, por não entendê-las, devido à deseducação, e não se sentem podendo intervir na cultura, não aparecendo na comunicação por imagens, e incapazes de opinar. Esse é o cara que agrediu a mulher na rua. Não pôde ver um novo casal andando, conversando, brigando, amando, vivendo o que ele não vive. Defende soluções violentas para problemas sociais e pessoais. Desconhece a reflexão. Está perdido, num mundo que anda sem ele. Nossa condição atual de subjetividade é a ausência de pontos permanentes de auto-reconhecimento, para o eu, e de incapacidade de desinibir-se e agir, ser sujeito, num mundo de liberdades e um "não saber o que fazer com a própria vida". Uma minoria sexual tem existência, dada pela política, pela cultura de massa e pela erudita. Uma pessoa pode se definir por ela, para se entender e se apresentar. Mais vai vivendo também à parte disso, tendo suas experiências de prazer, desprazer, amor, ódio, etc. O homem do bar é raivoso por ser um nada. É só um cara que reclama de tudo, enche a cara e bate em mulher. Desistiu de ser alguma coisa que valha a pena.

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