domingo, 6 de julho de 2014

Viver, a que se destina?

As pessoas saíram decepcionadas da exibição de Pompéia (Paul W. S. Anderson, 2014). O filme, que esteve em cartaz, aqui, em março, passa-se no início da Era Cristã. O protagonista fora levado para Nápoles, a fim de servir de escravo-gladiador. A cidade recebia a visita do imperador, e o governante tratava-o bem, oferecendo comida, os aplausos da população e as lutas. Buscava, com isso, que a cidade não sofresse tanto, com a inevitável dominação do imperador. Ao apresentar-para lutar, o gladiador reconheceu no imperador o homem que matara sua família e o vendera, criança, como escravo. Seu desejo de vida era matá-lo, e essa força era seu motor para lutar e derrotar seus adversários. O rei e sua esposa estavam sendo humilhados pelo imperador. O gladiador e o outro, com quem lutaria, eram grandes lutadores. A glória que almejavam não era a da consagração que pudesse vir dali, mas a da vingança, no caso do primeiro, e a promessa de liberdade, para o segundo. Este percebeu que o espetáculo havia sido conduzido a que ambos morressem. Para ele, ser livre agora dependia de lutar contra o espetáculo. Apoiou o outro gladiador no ataque ao imperador. Nesse momento, o monte Vesúvio começou a lançar bolas de fogo no ar. O fogo causou a debandada do público e a destruição do estádio. Os gladiadores lutavam seu caminho até seus objetivos. O rei viu a mulher morta sob os escombros. Logo deparou-se com o imperador. Atentou contra ele, mas recebeu um golpe fatal. O protagonista persegue o imperador em fuga da cidade, levando consigo a bela filha do rei. Alcança-o e, numa dura luta, mata-o. A lava lambe a cidade. O herói foge com a princesa para um morro. O manto destruidor cobre-os. Viraram estátuas de cinza, durante um beijo. "O filme é bom, mas porque ele tinha que morrer?": Ouvi-o duas vezes. Por que ele viveria mais? Na Ilíada, Aquiles ouve de Hera, sua mãe, que a vida dele será curta. Chegará ao fim assim que ele cumprir seus objetivos. O destino se cumpre, a vida termina. Aquiles passa a história profundamente desgostoso com Agamenon, líder dos gregos, pois este lhe havia retirado honrarias. Ele não ajudaria a evitar o avançar dos troianos sobre os gregos, apesar dos pedidos desesperados, por ajuda, de seus companheiros. Quando os gregos estavam quase arrasados, Aquiles recebeu a notícia que Heitor, líder troiano, havia assassinado Patroclo, amado de Aquiles. O grande guerreiro ergueu-se em cólera. Armou-se e amedrontou os troianos. Matou muitos, com o peso da sua lança de longa sombra. Lutou ferozmente com Heitor, fazendo-o encontrar seu fim. A guerra agora estava ganha, para os gregos. Aquiles sabia: morreria tão logo cumprisse seu destino. Ele nunca soube exatamente o que aconteceria no decorrer de sua vida, nem a forma como morreria. Mas sabia a hora de sua morte, e agora ela estava próxima. Para um guerreiro, como ele, vivendo a mais de 900 anos antes de Cristo, a glória era o que importava, além de prestar adorações a seu deus. Ele era reconhecido como o melhor lutador, e assim permaneceria para sempre. Na antiguidade vivia-se para ser virtuoso. O fim da vida era ser inteligente, corajoso, justo, etc. Os fins individuais dependiam de uma cidade que os possibilitasse, e cujos fins se realizariam junto dos de cada um. Os meios para um indivíduo ter uma vida feliz, ou virtuosa, passavam pela melhoria do seu desempenho na sua arte (guerrear, governar, plantar, construir, etc). E os deuses estavam próximos dos homens, servindo de modelos das virtudes: "Ser um bom guerreiro como Ares", "Esmerado na carpintaria como Hefesto". Passo para os dias atuais. Oscar Schimidt vai ao programa do Faustão falar sobre a doença que lhe acomete: câncer cerebral. Oscar diz saber que morrerá daquilo. Opera, retira o tumor, isso tudo se repete, e se repetirá até que a luta termine. Ele diz que naquela platéia umas 30 pessoas passarão por aquilo. Responde ao possível espanto de todos, dizendo que todos morrerão. Ele, ao menos, sabe do que morrerá. Para nós, o objetivo da vida não está mais no céu, nem acreditamos na realização de um paraíso na Terra. Nosso Deus não está aqui, como o dos gregos, mas também não apostamos seriamente num final maravilhoso. Sloterdijk ajuda-me a contar o que segue: se não há crença de que a finalidade da vida é o céu, não faz mais sentido seguirnos doutrinas religiosas. Como não há fim, não precisa haver meio para ele. Para que vivemos, então? Ou porque agir bem, se os meios não levam a lugar nenhum? Em conversa com Benilton Bezerra, Paulo Ghiraldelli comenta que nossa situação de modernidade tardia é de perda de restrições quanto a sexualidade, e da participação em culturas tradicionais, ou em uma boa formação humanística, que davam parâmetros para a vida. O sujeito filosófico, que desde o século XIX teve abalado seu suporte, o "eu", e considerado superfície de uma cisão (por Freud), alienado (por Marx), uma criação disciplinar (por Foucault), e tornado parente de outras espécies (por Darwin), busca um suporte. Encontra uma possibilidade de escoramento no corpo. O que eu consumo, como me visto, os objetos que troco e como meu corpo é um deles; como me apresento, meu estilo, meu face e minha sexualidade são identidades corporais; meus amigos de partido e sua ideologia, ou da igreja, meu estilo musical e minha turma de futebol: práticas corporais que têm por característica a troca rápida, ou a aceitação de um fim a se almejar, para que eu me conduza de certo jeito (mas fim, este, que não posso acreditar seriamente, se não sou um dinossauro e, além disso, se não sigo o fim particular oferecido por um pastor ou ideologia). Essas práticas visam ser meios para um fim que não está mais lá. São ações para se evitar a perda distímica de qualquer vontade de agir. Qual é o fim do Oscar? Ser um excelente atleta, o melhor. Ele disse, na tv, que a vida é como o esporte: você perde uma partida, perde o campeonato, mas tem uma nova chance, volta para o jogo. Todo atleta sabe que seu fim não demora. E sua finalidade é vencer. A vida te dá novas chances. Oscar diz que o tumor que tirou é do tamanho de uma laranja. Laranja como uma bola de basquete, mas que nem se compara a ela. "Essa doença escolheu o cara errado!", diz o campeão, aquele que joga o melhor até que o fim chegue.

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