domingo, 18 de outubro de 2015

A miséria da preocupação


Em uma entrevista feita pelo João Gordo (https://www.youtube.com/watch?v=9Q1POtXbeb4), o rapper Criolo comentou o seguinte, sobre a vez em que o Ed Motta disse, em reclamação à sua platéia brasileira no exterior, que ela é chata, não tem educação: "estamos fazendo uma comida. Chato é não ter o que comer." Criolo contou que sua família veio sem dinheiro e perspectivas, do Ceará, e que ele só descansará quando seus pais puderem ter uma vida tranquila.

No episódio comentado, Ed Motta reclamava que os brasileiros no exterior só pedem músicas em português, e se comportam como em estados de futebol.

Há uma sensibilidade nossa em relação à miséria, que não há em relação à educação. O comentário de Ed Motta apontou para uma falha em nossa educação. As críticas que lhe fizeram, lhe chamando de elitista, apontam que as verdadeiras preocupações no Brasil devem ser as carências relativas à miséria: falta de comida, falta de moradia ou moradia precária, migrações forçadas, etc.

Ainda na entrevista, Criolo contou que, no meio caminho de sua família para São Paulo, eles retornaram ao Ceará, por exigência da mãe. Ao chegarem em casa, a mãe tirou metade das roupas que levara, e completou a mala com livros.

Dizemos que o estudo é importante. Mas importante para o que, não se diz. Para ser mais educado? Para conseguir um melhor emprego? Para ganhar um salário melhor? Para aumentar o poder aquisitivo próprio ou da família? Estas últimas respostas não são dadas. Ou melhor: quando falamos de pobres, queremos ver seus filhos na escola, e nos damos por satisfeitos com isso. Não nos preocupamos se a escola os deixarão mais educados. Muito menos nos passa pela cabeça perguntar se o aumento nos seus anos de estudo permitirá que eles tenham um salário melhor. Damo-nos por satisfeitos que o pobre esteja na escola.

Essa preocupação que é negada ao pobre não falta da classe média em relação a si mesma: ela quer a melhor educação possível e, para ela, isso quer dizer as melhores chances de entrar numa ótima universidade, e manter, quiçá melhorar, o padrão de consumo. Mas esta preocupação não é falada em público, não vira sensibilidade social, pois a classe média espera dar conta sozinha (sem o governo) de ter uma boa escola.

A sensibilidade social fica com a preocupação de todos em torno da miséria, que se atenta à chamada "subsistência" dos indivíduos. A fala do Ed Motta pergunta porque não podemos almejar algo mais, bem acima da "subsistência".

O filósofo Diógenes vivia na rua. Lá ele encontrava abrigo e a alimentação que precisava. Ter mais do que o estritamente necessário o colocaria como escravo das próprias necessidades. Em uma célebre passagem, Alexandre, O Grande, surge diante dele, encontrando-o no chão. Estica-lhe a mão, oferecendo alguma ajuda. O filósofo pede que o importantíssimo líder e conquistador apenas chegue para o lado, para não obstruir seu contato com o sol.

Era indispensável para Diógenes a comunicação com o sol, ou seja, a ligação com o Bem, a possibilidade de conhecer, da filosofia. Diógenes não tem amor pela comida. Ele não se alimenta e fica ansiando pela próxima refeição. A comida não reduz suas aspirações, e viver em restrição dela não é a pior coisa que lhe pode acontecer. Ficar sem o sol, sim, seria ruim.

Como foi que reduzimos nossas aspirações à comida? Como foi que passamos a odiar alguém que espera que apontemos para algo melhor do que nós mesmos?

No discurso público, não se espera muita coisa da educação. Desta forma, realmente nos mantemos atados à miséria.

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