quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O empenhado e o retórico


Não é pecado você se achar mais inteligente do que outra pessoa. Do que muita gente, do que a maioria, você ainda pode se achar mais inteligente. O empenhado pegou livros difíceis e trabalhou para entendê-los. Juntou-se à gente que já passou por aquele trabalho, e que ensina a ter empenho, ou seja, disciplina e tenacidade.

O empenhado se sente melhor, ao concluir um grande livro. Sente-se ao mesmo tempo entendendo bastante coisa, e achando que ali há bem mais para se entender. O empenhado tem uma admiração reverente pelos grandes livros por que passou. Ele sente-se capaz de empenhar-se no trabalho sobre o próximo livro. É confiante de que conseguirá ler o novo livro, e de que tirará grandes frutos dele.

O retórico encontra o empenhado: sobre este, fala com segurança, chama a atenção dos outros, como se dominasse a área do saber dele, como se conhecesse bem os passos daquela pessoa. Faz com que o empenhado e o seu empenho sejam secundários à fala que sobre tudo fala, tudo nivela, tudo expõe, e que dá a impressão de dominar.

O retórico desistiu da leitura difícil, mas a critica. Leu o suficiente para aproveitar do livro algo para aumentar seu poder de convencimento. Impressiona quem o escuta. Exala virilidade, mas trata-se de uma virilidade vazia, que quer adeptos.

O empenhado propõe, a poucas pessoas por vez, uma conversa que é lenta, abre caminho por entre algumas dúvidas e saberes, dele e dos demais. Ele se ocupa em saber o que ele e os demais estão dizendo. É realmente um viril: curvou-se ao saber, para assenhorar-se de si mesmo. É senhor. Não busca fascinar, ser fascinante. Busca que todos admirem os clássicos.

O retórico vê defeito nos clássicos, exatamente no que eles não se deixam aproveitar para a formação do seu discurso. A força do retórico está no exército que forma. Com isso, ele se distancia do empenhado que conheceu no começo da sua vida, e que o fez se sentir pequeno. É por isso que, quando o vê, não deixa-o à vontade. O empenhado cala-se, pois ninguém ali está sentando, falando das coisas que sabe, e permitindo que ele entre e comece a comentar.

Quando não se retira, o empenhado escuta do retórico opiniões que o incomodam, e fazem-no não conseguir evitar se considerar inteligente. Como diz Aristodemo, no Banquete, é triste aquele que, sendo poderoso ou rico, afasta-se do prazer da filosofia. O retórico será o primeiro a tentar rebaixar o justo orgulho do empenhado.

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