quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Reconhecimento com ou sem esperança?

Uma criança passa em frente a um mendigo. Pergunta à mãe o porque daquele homem estar no chão, sujo, pedindo. Fica pensativa, e gostaria que as coisas fossem diferentes. O idealista mantém isso da criança: a pergunta, a esperança, o sentimento de injustiça doendo no peito. O thymos era, para o grego, a parte da alma do homem responsável pela ira e seus derivados. Um destes derivados é o orgulho, a busca por reconhecimento, "o outro deve me valorizar como eu me valorizo".

Na Ilíada, Aquiles sentiu-se injustiçado por Agamenon, e seu peito apertou. Teria matado o comandante grego, não fosse a intervenção de Atena. Recolheu-se, então, passando a repetir para si mesmo os fatos que fizeram-no sentir-se aviltado. Os gregos, sem a ajuda do melhor dos guerreiros, não negaram a ele o direito de se sentir injustiçado e, com isso, encolerizado. Lamentavam o fato, pois os troianos poderiam vencê-los, mas entendiam e levavam a sério a ética do guerreiro, a ética timótica, segundo a qual quem é excelente em sua função é destinatário de glórias, e está elevado perante os outros.

Aquiles tinha o que Hegel disse sobre o homem: ele arrisca a própria vida fazendo algo que lhe trará um grande reconhecimento (isto, do Hegel, e as noções de megalotimia e de isotimia, de Fukuyama, foram debatidas no último Hora da Coruja, dos filósofo Paulo Ghiraldelli e Francielle Chies: http://flixtv.com.br/tv/identidade-odio-e-politica-de-reconhecimento-hora-da-coruja-flixtv/). Quem sobe o Everest sente-se o mais fantástico dos homens, com autoridade para mandar nos outros, porque não?

Porque não? Fukuyama apontou o homem antigo como megalotímico (Aquiles é um dos mais célebres exemplos), mas o homem atual como isotímico: na ideologia liberal, entendemos que o estudo leva ao trabalho, Sobre Máscaras e Espelhos
ste leva ao próprio sustento e à condição de manter uma família e, além disso, esta pessoa escolhe candidatos a cargos públicos e torce para times de futebol. Esta pessoa nasce inserida no conjunto de expectativas sociais, e de pequenos reconhecimentos que advém do cumprimento delas, que valem para todas as outras pessoas.

Todos vêem a si mesmos como devendo seguir o mesmo percurso social, e tendo o mesmo direito, do que os outros, ao pequeno reconhecimento, e pequeno orgulho. Não observamos nosso thymos, nossa necessidade de reconhecimento. Nos vemos como racionais e emocionados por emoções racionalizadas. A criança tem seu brinquedo tomado por outra, e se sente injustiçada. O adulto vê esse thymos como bobagem de quem ainda não amadureceu, entendido como o amadurecimento da razão.

A criança ainda não abafou o seu thymos. Ela gostaria muito que não pegassem o brinquedo dela. Ela gostaria muito que na cidade dela não houvesse gente na sarjeta, passando necessidade de tudo. Ela gostaria de fazer alguma coisa, o thymos a empurra. Ela olha para o pai, e pergunta porque ele não faz nada. O homem comum atribui ao milionário e ao político o poder de fazer algo a respeito disso. Mas sabe que eles não têm vontade. Atribui a eles o direito, que ele mesmo não tem, de orgulharem-se e sentirem-se donos do mundo, mas não associa a este poder possíveis consequencias sociais positivas. A atuação que se imagina para este poder é sobre o próprio gozo pessoal.

Quem cai no mundo e pode ter a expectativa dos pequenos reconhecimentos, sentirá que deste lugar faz parte o testemunho da humilhação de muita gente. Você fará coisas em sua vida que lhe darão algum pequeno orgulho, e volta e meia se lembrará daqueles a quem é negado qualquer valor. Uma pequena alegria e uma pequena tristeza. Não se é o Eike para gozar. Não se é o Lula para ser cobrado.

Lula ainda deposita esperanças e cobranças de redução da miséria. Penso que o PT ainda não morreu na função de catalizador do thymos coletivo (a ideia de catalizador de thymos coletivo está no Ira e Tempo, do Peter Sloterdijk). E se ainda se espera algum projeto de mudança concreta e social do PT e Lula, após todos os abusos deste partido, é porque o homem comum vê como totalmente fora da sua mão a possibilidade de intervir sobre algo que sempre o incomodou: Aquiles não diria que há algo que o incomoda em sua cidade, e em relação ao qual não soubesse o que fazer. O pai não sabe o que dizer ao seu filho, em relação ao mendigo. Ele é impotente. Ou, se fica potente, é para agir como um integrante de grupo de extermínio, mascarado, de vergonha.

Até quando os assuntos do orgulho, do reconhecimento, atrelados a um bom feito, serão tratados como fantasias infantis? Veja como tornam-se infantis as pessoas que procuram fazer coisas boas para o mundo: negam que fazem aquilo por reconhecimento e/ou dinheiro. Fazer algo bom vai para um lado, reconhecimento vai para outro. Deveríamos ser educados para buscar reconhecimento por ganhos que nos fizemos ter, mas também pelo que ajudamos outras pessoas a melhorar. Não fazemos coisas boas só por amor. Também as fazemos por ira.



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