quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Liberdade suposta


Você escreve sobre sexo e religião, ou sobre as duas coisas juntas, no Face. Em resposta, dizem que não se deve falar sobre essas coisas. E não lhe dizem o porquê. Esta resposta espera calar aquele que fala ou escreve, desrespeita-o. Também é um desrespeito à própria pessoa que responde, à capacidade que ela poderia desenvolver de pensar sobre o que ouve ou lê.

Tudo o que Nietzsche quis foi que não nos esquivássemos da vida, não pedíssemos para ela "pegar leve" conosco, não nos "ferir". Temos que participar das coisas que nos chegam. Participar de um texto é pensar dentro dele, olhando as coisas sob seu prisma e, depois, fora dele, olhando por outro prisma, ou desenvolvendo o que fora dito antes. Participar dos acontecimentos da vida não é incompatível com provocar acontecimentos, lançar novas interpretações criadoras de novos ambientes, e neles tomar participação.

Nietzsche acusou Sócrates de ser a epítome do homem que se distancia da vida, para pensar. O racionalismo do nosso tempo, o do século XVIII, imagina o homem como um conhecedor impassível do mundo e de si, justificou a crítica nietzschiana: o homem tornou-se insensível à vida. Contudo, tampouco o homem está pensando.

No Brasil de hoje, tem-se uma falsa sensação de se estar operando com a razão. Não se tem repertório para ler o mundo e a si mesmo, não há sofisticação para se criar um ambiente novo para nele se engajar. Emite-se opiniões que reiteram o senso comum, e isso parece ser intelectual o bastante.

Surpreendentemente, a liberdade nietzschiana acaba ficando com aqueles que refletem e criam uma senda nessa realidade e senso comum, e não com aqueles que se propõem a se engajar nas posições e objetivos já conhecidos. Sócrates queria se retirar da vida, para ser alma intelectual e universal. Já nós queremos ficar aqui mesmo, presos ao engajamento em objetivos imediatos. Sócrates e Nietzsche, então, fariam sentido juntos: não temos que permanecer no óbvio, resignados ao mesmo mundo, pois participaremos de um ambiente novo que criaremos aqui mesmo, com o pensamento.

Em um grupo de filosofia, aqui do Face, um amigo fez um post dizendo que tirou a roupa, e a mulher que o acompanhava exclamou algo como "Ai meu Deus! Espírito Santo!". Uma fala que em outros lugares seria indecorosa, num grupo de filosofia não deveria ser. Filosofia não é grupo social, é confraria, e confrades falam o que querem, uns aos outros.

Meu amigo recebeu uns pitos, em resposta, como se faz com uma criança. "E se ele fala isto em outro lugar, para a minha esposa?", foi pensado por gente que não entende que o espaço filosófico é um espaço à parte, e que não pode aceitar inibições pessoais que reforçam resistências sociais.

Um pai, uma mãe ou uma professora controlam o que uma criança diz, pois querem sua inserção social. Mas também devem permitir que ela fuxique, pense alto e fale. Crianças são assim, espantam-se com o mundo e nele abrem uma senda, através do pensamento. Adultos antes querem posição social do que liberdade.

Filosofia é o lugar do descobrir-pensar-falar. Está mais com a criança que pergunta e fala, do que com o adulto que se cala, faz outro se calar, e que se supõe livre.

p.s.: Este texto surgiu a partir de uma conversa com meu amigo Kelson JS.

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