domingo, 31 de janeiro de 2016

Volte para casa, Leandro.


O homem, desde o início da sua vida, tem parceiros inseparáveis. Na Esferologia, do filósofo alemão Peter Sloterdijk (http://ghiraldelli.pro.br/esferologia-de-sloterdijk/), o feto e a placenta são dois pólos que trocam ressonância, e um é a continuação do outro. Eles não são a mesma coisa, e esta diferença, ou melhor, a emergência de um como feto e o outro como placenta é antecipado pela relação que eles mantém entre si.

A troca de ressonâncias cria uma esfera, um ambiente climatizado e imunológico. Uma esfera é o que chamamos de lar, intimidade, aconchego e segurança. Do ambiente externo ao organismo materno, e a partir do movimento dos elementos internos ao útero, na esfera chegam vibrações. A esfera filtrará estas vibrações, e as que passarem serão armazenadas pelo feto como uma memória sensorial.

Nossas práticas neonatais afastam o bebê recém-nascido da sua dupla, a placenta. Ele sente a proximidade do vazio gélido. As vibrações agradáveis armazenadas, mais especificamente as ondas sonoras, para o ouvido desenvolvido do bebê, serão uma voz que o acompanhará como sua nova dupla. Este é o daimon ou, para nós, a figura do anjo da guarda. A mãe entrará, para o bebê, como um terceiro pólo dessa nova esfera.

O "sentir-se em casa" será algo formado pela relação intensa e reasseguradora entre o anjo, o bebê e a mãe (posteriormente, poderão entrar mais duas ou três figuras, como o pai, a babá. a professora, etc). O anjo da guarda tem participação fundamental nos nossos inícios.

Nossa cultura é historicista, ou seja, quer explicar fatos a partir de fatos anteriores. Toma o anjo como uma ilusão mística. A criança, contudo, não abre mão do seu anjo, na forma de Papai do Céu, Papai Noel ou Coelhinho da Páscoa. Algumas pessoas dizem que "creem em Deus". "Crer em Deus" não se trata de um atestado de crença racional em uma divindade. É da ordem da fé, uma crença que não implica em um raciocínio, embora possa ser uma base para, a partir dela, ocorrer o raciocinar. A fé tem a ver com a certeza de que as coisas irão bem, de que é possível sentar, relaxar, sem que algo de ruim irá acontecer.

Os filósofos da Escola de Frankfurt denunciaram que, na modernidade, a razão torna-se ratio, deixando de ser logos, isto é, perdeu sua vinculação com eros e physis. O amor e a dimensão do todo das coisas estão ausentes da situação em que o homem não considera que ser precedido por uma relação íntima com os outros, para ser quem ele é.

Este homem considera a si mesmo "racional", enquanto aquele que acredita em divindades se considera um "crente". O primeiro vê a si mesmo como um cumpridor do ideal de ser um indivíduo, dono de ideias e afetos únicos, inconfundíveis e independentes. Ele vê o "crente" como alguém preso a algo, de onde proviria o que se passa em sua cabeça e coração.

Olhando para este homem racional com a lente da Esferologia, não negaremos que participou e ainda está presente aquela voz interior, que lhe chega antes de ele se considerar sujeito, portanto antes de se dizer "laico". O que podemos dizer é que este sujeito qualifica as razões que apresenta para si mesmo e para os outros como laicas.

Por sermos formados numa situação para além e aquém destas certezas que se querem livres, não importando se nos apresentemos como crentes ou não, ao nos referirmos ao entendimento que temos dos nossos inícios cabe falarmos em compreender e em acreditar, coisas não estritas ao ratio.

Nas fontes formadoras da nossa cultura, sejam elas greco-romanas ou hebraicas, havia a ideia de que os acontecimentos do mundo eram determinados por poderes superiores. Zenão de Eléia, o iniciador da escola estóica, de filosofia, tomava o cosmos como seguindo uma ordem determinada: tempos de fartura e de inanição ocorriam independentes da vontade do homem, e sem aviso. Zenão não entregava-se à fruição da fartura, reduzindo ao mínimo o uso que fazia das coisas. Ele o fazia para que não se decepcionasse caso viessem a lhe faltar aquelas coisas, para que elas não o fizessem ansiar por mais.

Santo Agostinho apontou como pecado o distanciamento do homem em relação a Deus, quando o primeiro persegue objetivos ditados pelo eu dele. A consecução destes objetivos narcisistas não aplacam por muito tempo o anseio por novas buscas. A menos que passe a mirar nos objetivos do Absoluto, o homem viverá ansioso e como pecador.

Em um mundo em que os acontecimentos estão determinados, estas filosofias apontam para o homem como aquele que precisa desenvolver certo comportamento. As necessidades e vontades fazem-se sentir, como forças imperiosas, e o homem deve dominar-se.

Em nossa cultura historicista, o mundo não é sobredeterminado, está ao alcance do homem modificá-lo. O homem também vê a si mesmo como dotado de história e, portanto, também devendo modificar-se. Qualquer emperramento nas mudanças do mundo ou do homem resulta em gritos por liberação.

Leandro Karnal afirma, em uma palestra (https://www.youtube.com/watch?v=Kz361SIhkoo Veja a resposta de Ghiraldelli: https://www.youtube.com/watch?v=1eO4zyhr-8Q), que pessoas com crenças místicas têm, sobre sobre as pessoas sem crenças místicas, a vantagem de poderem afirmar que, não importa o que aconteça, aquilo já estava previsto. Então, para elas, nada estaria fora de controle, ao passo que, para o não místico, não restaria nem o consolo do sentido, após uma tragédia.

Apesar de afirmar que as pessoas que têm fé possuem essa vantagem, e que não precisam dar ouvidos a ele, Karnal coloca a si mesmo de um lado que considera o melhor: o lado dos que lidam com saberes testados e aprovados, enquanto os místicos são bobinhos. Leandro faz troça deles, tratando-os como café-com-leite. Seriam pessoas dotadas de uma ilusão que as protege.

O homem que se afirma com a ciência não sabe o que faz com a fé que afirma não possuir. Oscila entre o rebaixamento dela e a pergunta para si mesmo do por que não conseguir tê-la. Karnal se apresenta alérgico à fé, e partidário da ciência. Mas seu sorriso de cínico ruim não esconde sua incerteza quanto à solidez da ciência. Ele ri da fé, mas não quer reconhecer a fragilidade das suas certezas, pois perderia a prótese que o sustenta fora de casa. Nega-se a voltar para casa, e começar a pensar considerando a esperança.

11 comentários:

  1. Vou começar então! SrRSRS
    Nesse video: https://www.youtube.com/watch?v=1eO4zyhr-8Q
    Erros:
    1:30 Fazer contestação é infanto-Juvenil -> as religião ainda é a detentora das potencias de ação em muitas formas em nossa sociedade e em muitas sociedades pelo mundo a fora.... Pode ser um questionamento secular.. Mas não primário e infanto ... Mas sim necessária.
    1:45 "Contestação, a filosofia não esta nisso"... Isso é um erro de raciocínio um um erro epistemologia monstruoso.
    3m Socrates e Platão são teistas... São mesmo... Nós contemporâneos na filosofia estamos seculos luz do platonismo.... Nietzsche-Deleuz-Foucault linha esquizoanlitica
    3m e pouco incomodo com o sarcasmo...incomodo é gerado pela forma de argumentação.... sarcasmo é uma imensa maquina de guerra, instrumento forte... atacar o sacarmos por si só é um infantilidade.
    3:42 Essa argumentação psicoanalítica ai da placenta é tenso... Reforça a ideia argumentada porem não significa o que de fato pode ser feita com essa relação mesmo que ela exista... Essa relação pode vim a energizar qualquer tipo de afeto de acolhimento desde a citada como qualquer outra.
    4:49 ele toma a questão da oração como antropológica " e isso faz bem "... Tem dó.... mesmo que seja uma questão da evolução social do homem não significa que não seja ela nefasta socialmente.... e muito pior seja alicerce pra estrutura que se formou e que esta vigente, que concordamos que ta meio tenso.
    5:13 acreditar na religião e acreditar na ciência? Isso não existe. Ciência é o que é provado...sei que poderíamos discutir seculos sobre isso... Mas como faço engenharia... Venho defender a verdade... O relativismo que alguns veem disseminando em cima da ciência é pq não conhece de engenharia a e de números ai fica falando essas coisas pela bunda.... 1+1=2, leis de newton são completadas pelas de Einstein.. Dai relativar a ciência da mesma forma que a psicologia... Compara matemática com psicanalise é exercício de infanto-juvenil. Leis cientificas não são para ser acreditadas. São a verdades, incompletas e parciais.. porem verdades em sua pequena parcela... não dão conta de analisar um sistema... Mas a forma que pretende tratar ela consegue. Sem meias verdades. Sem bl bla bla de isso é relativo
    O que ele fala

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    Respostas
    1. "ciência é o que é provado".?? "venho defender a verdade" ...Cara, como apenas essas duas frases, voce atestou que nao sabe nada ciência. Quem afirma chegar verdade é tudo menos a ciência, isso é para o misticismo, para religião. Toda teoria cientifica tem que dar margem a sua falseabilidade e consequente superação. Nunca pode ser encarado como verdade absoluta, ser usada como doutrina.

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  2. 5:10 O que ele fala sobre compreender ta certo.
    Sobre São Pulo não sei falar pq nao conheço...... Tanto faz.
    O que me incomoda são os academicistas que nós impõe esse estudo massivo dos clássicos que muitas vezes não dão conta de entender a Realidade eles não sabiam o que é um atoa, o que é o universo com 1% da capacidade que temos hj... Estudar os contemporâneos é muito mais importante que ficar remoendo os clássicos, principalmente os superados que queremos manter por academicismo.
    8:47 O que faz parte da nossa cultura ou não foda-se...... É importante um viés antropológico na análise da realidade sim.. claro... mas não associada a metafisica.
    É necessário um pensamento genealógico e arqueológico do tipo foucaultiano... que é uma analise filosofia-psicológica-antropológica... principalmente baseada nos pensamento contemporâneos rica dos afetos e pulsões da vida atual pq se não ficaremos fazendo masturbação intelectual.... O que é fazer filosofia?
    Acho que a maioria do contemporâneos de relevância concordaram que a filosofia é o pensar da vida contemporânea, analisa-la compreende-la.... de forma histórica, claro... mas nunca isolada da realidade...
    Pensar a questão da religiosidade... da improência de deus.. são exercício... importantes... mas não fundamental....
    Em relação ao Leandro Karnal ele faz palestras pra publico de pessoas "ordinárias" comuns...e trazer essa ideia que ele trás para os comuns ao meu ver é importantíssima... Leandro Karnal com sua comedia é fundamental para ridicularizar os teístas... principalmente os teístas que não estudam a teologia.
    Agora se for pra exigir o pensamento de ponta na filosofia, no questionamento existencial, de como se estrutura a realidade atual eu acho que a proposta do canal do Paulo Ghiraldelli não é bom.
    O Luiz Fuganti,"https://www.youtube.com/watch?v=8jMcywa-HUE", da conta dessa tarefa de uma forma muito mais coerente e menos apaixonada. Pq no mundo da filosofia atualmente... principalmente nas universidades só tem gente traumatizada lecionando sobre suas paixões.

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  3. 5:10 O que ele fala sobre compreender ta certo.
    Sobre São Pulo não sei falar pq nao conheço...... Tanto faz.
    O que me incomoda são os academicistas que nós impõe esse estudo massivo dos clássicos que muitas vezes não dão conta de entender a Realidade eles não sabiam o que é um atoa, o que é o universo com 1% da capacidade que temos hj... Estudar os contemporâneos é muito mais importante que ficar remoendo os clássicos, principalmente os superados que queremos manter por academicismo.
    8:47 O que faz parte da nossa cultura ou não foda-se...... É importante um viés antropológico na análise da realidade sim.. claro... mas não associada a metafisica.
    É necessário um pensamento genealógico e arqueológico do tipo foucaultiano... que é uma analise filosofia-psicológica-antropológica... principalmente baseada nos pensamento contemporâneos rica dos afetos e pulsões da vida atual pq se não ficaremos fazendo masturbação intelectual.... O que é fazer filosofia?
    Acho que a maioria do contemporâneos de relevância concordaram que a filosofia é o pensar da vida contemporânea, analisa-la compreende-la.... de forma histórica, claro... mas nunca isolada da realidade...
    Pensar a questão da religiosidade... da improência de deus.. são exercício... importantes... mas não fundamental....
    Em relação ao Leandro Karnal ele faz palestras pra publico de pessoas "ordinárias" comuns...e trazer essa ideia que ele trás para os comuns ao meu ver é importantíssima... Leandro Karnal com sua comedia é fundamental para ridicularizar os teístas... principalmente os teístas que não estudam a teologia.
    Agora se for pra exigir o pensamento de ponta na filosofia, no questionamento existencial, de como se estrutura a realidade atual eu acho que a proposta do canal do Paulo Ghiraldelli não é bom.
    O Luiz Fuganti,"https://www.youtube.com/watch?v=8jMcywa-HUE", da conta dessa tarefa de uma forma muito mais coerente e menos apaixonada. Pq no mundo da filosofia atualmente... principalmente nas universidades só tem gente traumatizada lecionando sobre suas paixões.

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  4. Peixe, leia os clássicos, para poder ingressar na humanidade.

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  5. To precisando mesmo... Sem tempo.. Mas pra entrar na humanidade não é preciso ser um erudito não... Vi essa postagem no grupo do Foucault.... Se vc acha q pra ser pensador tem que ser erudito nos clássicos vc esta sendo contraditório com as ideias foucaultianas.

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  6. Peixe, Foucault era erudito nos clássicos. O que mata é que quem o lê não almeja isso, acha que dá para deixar de ler o essencial, em filosofia.

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  7. Posso compartilhar em meu blog, dando os créditos e o seu link ?

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