sábado, 27 de fevereiro de 2016

Freud, o primeiro a sentir o desconforto



No Natal de 1920, Freud escreveu a seu médico, Pfsiter, que havia recebido de vários lugares respeitáveis obras de popularização da psicanálise. "A causa avança por toda parte" (Peter Gay. Freud, uma vida para o nosso tempo. p.453). Em Viena, os termos freudianos tornavam-se de uso comum. Nos salões, serviam ao novo humor refinado. Pregadores, jornalistas e pedagogos apontavam a obscenidade e a má influência das ideias freudianas sobre as crianças e as famílias.

No âmbito científico, a psicanálise não recebia tratamento mais cuidadoso. Em um simpósio ocorrido em Nova Iorque, no ano de 1924, o dr. Brian Brown afirmou que Freud reduzia tudo ao sexo. Esta sempre foi a acusação numero um sofrida pela psicanálise. Dr. Brown também afirmou que "a ideia de [Freud] era a de que havia um compartimento externo onde as ideias prejudiciais eram armazenadas, prontas para se precipitarem à nossa consciência" (Gay, p.455).

Sim, era disso que se tratava a psicanálise: de algo externo à consciência, de onde ideias e intensidades psíquicas vinham às vezes como riso incontrolável, às vezes como tempestade com raios. Freud distinguiu um inconsciente da mente. Distinguiu a própria pesquisa, então, da psiquiatria organicista, da época, e também da psicologia dos processos mentais conscientes. Por fim, ele também estava inadequado para a moralidade da sua época, conforme expressavam as preocupações dos educadores sociais, a respeito das suas teorias.

A mãe de Freud era muito jovem quando casou-se com o pai dele. De um casamento anterior, Jacob Freud já possuía dois filhos, Emanuel, pai de John, e Philipp. John, sobrinho de Freud, tinha uma idade próxima da dele. Foram amigos de infância. Contudo o ponto de estranheza da família ficou por conta de Philipp, com apenas um ano a menos do que a nova esposa de Jacob Freud, Amália. Freud suspeitava que o meio-irmão e a mãe, secretamente, tinham uma relação distinta do tipo enteado-madrasta. Este era mais que um segredo de família: era um mistério.

Freud notabilizou-se por ser o escavador de um novo continente. Para ele, as pessoas estavam longe de serem o que lhe mostravam à primeira vista. Durante anos manteve do pai Jacob uma imagem de fraco e subserviente. Quando pequeno, viu o pai tendo o próprio casaco derrubado na lama, por um homem, enquanto eles andavam na rua. Pacificamente, o pai apanhou o casaco e não se indispôs com o sujeito. Sigmund sugeriu que ele tirasse satisfações, mas o pai não tinha esse temperamento.

Freud cresceu odiando o antissemitismo que cresceu em Viena, durante a sua infância. Essa mesma energia combativa foi a que empregou na defesa das suas primeiras formulações sobre histeria e hipnose, contra neurologistas que desqualificavam estes objetos de pesquisa. Tanto como membro de uma família, assim como um judeu, e também como pesquisador, Freud não conheceu uma integração com o seu ambiente. A pesquisa primordial com as histéricas foi o abraçar de um mistério, cujos resultados foram defendidos com uma gana de quem desde criança se sentia revoltado com o antissemitismo e a passividade do pai.

Próximo do ano de 1900, Freud empreende uma auto-análise. Aquilo que nunca pareceu integrado foi formalmente desintegrado, desmembrado em partes que foram examinadas. Como um relógio que funcionava esquisito, e ao qual se desmontou para se saber o motivo. Era precisamente disto que se trata a psicanalise: desmembrar as falsas sínteses, quebrar o amálgama do sintoma em suas partes constituintes. A estranheza de um paciente, todo o "não mostrar dos seus verdadeiros motivos", Freud experimentou primeiro consigo mesmo.

Freud possuía um certo desencontro em relação ao judaísmo e ao seu pai, e que se deslocara para a pesquisa dos fenômenos mais cercados de más palavras. Foi como um desbravador solitário, muitas vezes incompreendido, que Freud viu a si mesmo, não sem razão. Ele confrontava as opiniões correntes no meio científico e no senso comum, no tocante às neuroses, à hipnose, à sexualidade infantil, aos sonhos e a muitos outros temas.

Os primeiros anos da psicanálise, de isolamento, de falta de adeptos, de polêmicas públicas e de falta pacientes jamais foi de falta de vigor investigativo. Freud tinha mais de sessenta, nos anos 20. Com a incompreensão e o escândalo por parte de alguns círculos, principalmente em Viena, Freud não pôde sentir-se confortável com a fama e a aceitação. E nem um pingo mais satisfeito com o homem.

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