segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

"Isso é mais do mesmo." Sim!


A filosofia não é senão outra coisa que o mais do mesmo. Sócrates demorava-se no análise de um discurso que escutava. Podia ser a respeito da matéria sobre a qual, no Fedro, ele se disse expert: a arte do amor. O discurso do jovem Fedro poderia trazer algo que ele não soubesse. E trouxe, levando o filósofo, por um momento, a maldizer o apaixonado. Sócrates, contudo, logo percebeu a falta de sentido do que fazia, pois um deus não podia ser mau. A fala de um homem levou-o a isso.

Sócrates, então, voltou-se respeitosamente ao deus Eros, para novamente inspirar-se nele. Não queria perder suas bençãos, "ter azar no amor, deus me livre"! Sócrates podia continuar sendo um colega do Fedro, assim como o era de muitos outros cujos discursos analisava. Muitos deles, porém, evitavam-no, pois sabiam que seriam chamados a verem os problemas internos ao que falavam.

Parar para pensar é parar para conversar. Isso requer bastante esforço. E poucos são os que realmente querem saber sobre o que estão falando, aproveitando as perguntas-guia socráticas. A maior parte das pessoas quer chegar rápido a um objetivo.

Quando Sócrates se aproximava, o objetivo da maioria era sair logo dali. A tigela, o cavalo, o amor, eram os temas de Sócrates. Coisas do dia a dia, que se fala com conhecidos, amigos e cônjuges. Escuta-se essas coisas sem problematização: "se eu tenho que ir ao mercado, comprar comida, algumas horas antes do almoço ser servido, é claro que eu vou." O uso denotativo das palavras muitas vezes não é errado. Mas o que consideramos realidade nem sempre precisa ser mantido, justamente em nome do ideal de criarmos melhores realidades.

O que alguém diz sobre o amor não precisa ser tomado por óbvio. Um enunciado com as palavras Jesus, pedofilia, política, etc, se quisermos ter algo mais do que uma comunicação telegramática e automatizada, se quisermos desenvolver nosso raciocínio, argumentação e capacidade de fazermos o bem, tem que nos levar a parar, escutar, entender e elaborar uma reação. E não responder correndo, como corriam da banalidade Socrática, corrosiva do orgulho grego. Temos corrido da conversa, orgulhosos de sermos autômatos.

As redes sociais da internet são onde mais se expressam opiniões, sobre tudo. É o lugar ideal para perguntar às pessoas sobre o que elas estão dizendo, convidando-as a voltarem sua atenção para o banal. Mas tem sido uma pista em que as imagens de cada um são apresentadas e consumidas com rapidez. Cada um deve cumprir um mínimo de "boa imagem social", que se banaliza, para a partir desse solo se mostrar a novidade da viagem, da comida, até do trabalho. Não pode haver rachaduras no solo. Não se diz palavrão ou palavras "polêmicas", que freiam a correria e obrigam a que se responda algo a quem as disse, o que expõe o respondedor.

Para os apressados, o Facebook é como um salão social, em que só se mostra a novidade, o belo e o rico, e não se comenta o corriqueiro. "Amor", "política" e "Jesus" são palavras banais, e por isso mesmo, são as que mais dão discussão e se prestam a mal-entendidos.

O salão foi um preparatório para a avançada tolerância do mercado. Mas um burguês nunca deixou de olhar para outro burguês, esperando travar com ele uma conversa que o fizesse se sentir aceito em sua "interioridade". Dentro da própria família, contudo, é difícil conseguir ser totalmente aceito pelo outro. Há algo no conjugue que não combina com você, e que permanece um assunto indiscutível.

"Minha mulher é mórmon, e eu sou democrata liberal. Mas eu a amo, quero ficar com ela para sempre. Não vou interrogar o que ela me fala. Concordamos com uma porção de coisas que me são importantes", podia pensar o filósofo Richard Rorty a respeito da sua segunda esposa, na época em que estava com ela (http://ghiraldelli.pro.br/democracia-liberal/comment-page-1/#comment-61323).

Não precisamos concordar com tudo. Mas um filósofo, em uma situação social, não pode ser um carente de amigos, dizendo o que garante receber concordância. Não precisa da polidez do comerciante, que se junta à carência de reconhecimento de si, burguesa.

O filósofo tem que se incomodar com o que os outros apresentam e nem percebem, de tão natural que lhes parece. E tem que ensinar os outros a se incomodarem consigo mesmos, com o "mais do mesmo" que lhes parece maravilhoso, e abraçam, ou péssimo, e fogem. O filósofo quer que as pessoas sejam a mesma coisa, só que melhorada. Ou seja, diferentes.

2 comentários:

  1. O país que menos lê no mundo, produziu um vazio literário que ultrapassou toda a produção clássica dos séculos XIX e XX.

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    1. Isso faz com que lidemos com narrativas de forma burra, na literalidade.

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