quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Menino-macaco, sem doer


Alguém que tenha sido discriminado por ser negro ou gay pode reclamar por punição legal contra o discriminador. Também pode fazer isto quem tenha conhecimento de situações de discriminação que vitimaram outras pessoas. Ambos são casos de pessoas que vivem no clima, apontado por Ghiraldelli (http://ghiraldelli.pro.br/menino-preto-e-macaco/), de existência de discriminação por racismo ou por homofobia (Ghiraldelli fala especificamente sobre o racismo), e de possibilidades legais de punição de quem os pratica.

Sob este clima, a sensibilidade está aflorada para as situações que possam ser interpretadas como sendo de discriminação. A situação em que o menino negro foi fantasiado de macaco pelo pai, para ambos saírem num bloco de carnaval, pode ser interpretada como sendo de discriminação por racismo, entendendo que vestir alguém de macaco é retirá-lo da imagem e semelhança com o homem. Mas também pode ser interpretada como um menino que foi tornado semelhante a um ser alegre, brincalhão, e que o fato de este menino ser negro é uma casualidade.

Esta segunda interpretação é possível, se nos atentamos para o relato do pai do menino (veja esse relato no próprio link para o texto do Ghiraldelli), dizendo que, num bloco carnavalesco posterior, ele vestiu o filho de Pequeno Príncipe. Ou seja, este homem não privilegia uma associação entre negro e macaco, podendo fazê-la tanto quanto faz outras associações. Pelo relato do pai, o menino é igualmente o seu Abu e o seu Pequeno Príncipe, ou seja, seu filho e seu rei.

O clima de punição à discriminação cria grupos que se formam pela vigilância contra esse comportamento. Sloterdijk explica a formação de grandes e coesos aglomerados de indivíduos através do elemento psicológico do stress: a sensação de ameaça de liberdade, no sentido antigo de quebra do ethos, leva a essa reação. O aspecto do ethos que foi ameaçado, para que indivíduos tenham se unido para combater o racismo e a homofobia, foi o da tolerância com a diferença.

Também formam-se, a partir desse clima, grupos de defensores e praticantes da discriminação: esse comportamento deixa de se ater ao cotidiano publicamente invisível e passa a ser apresentado em opiniões, principalmente em redes sociais. Essas pessoas reclamam pelo direito de expressão mas, menos abertamente, reclamam pela manutenção da inclinação da balança do poder social, que os favorece. Também há stress, no fundamento deste grupo.

Não sei dizer, aqui, se o grupo anti-discriminação é maior do que o pró-discriminação. Os argumentos anti-discriminação parecem mais desenvolvidos, e isso se dá por uma afluência acadêmica. Os pró-discriminação defendem errado o princípio da liberdade de expressão. Além disso, estes não põem todos os seus argumentos na mesa.

Mas, em nome justamente do favorecimento da tolerância social, o grupo que a defende precisa enxergar cada situação sem o óculos do dano e da raiva: cada cena pode receber diferentes interpretações, os atores dessas cenas podem ter intenções diferentes das que se costumam identificar ao grupo pró-discriminação, e pode não haver ninguém sendo discriminado, feito sofrer, ali.

Quanto mais um indivíduo conseguir limpar o próprio olhar do ódio, mais se destacará do grupo formado por causa desse sentimento psicopolítico (mas quem topa ter clareza com relação às coisas, distanciando-se do grupo?). Ele pode até eventualmente militar por essa causa, mas estará liberado para curtir histórias de macacos, tapetes mágicos e carnavais.

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