segunda-feira, 18 de abril de 2016

Esquerda e direita sem pré-enquadramento


Janaína Paschoal, em entrevista ao Paulo e à Fran, no Hora da Coruja (https://www.youtube.com/watch?v=VGR6Db1QGRs), disse ser favorável à política de cotas étnicas implantada pelo Lula, em seu primeiro mandato. Entretanto, ela prossegue, a forma como o governo propagandeou esta e as outras políticas para minorias que implantou criou um clima de "nós" contra "eles".

Desde o surgimento destas políticas, circula, principalmente nas redes sociais na internet, a opinião de que estas políticas dividem o país e que, portanto, elas mais estimulam o preconceito do que o diminuem. A estas opiniões também circulou a resposta de que o preconceito já existe, e de que a política de cotas, por exemplo, era ou uma reparação histórica, ou uma inclusão educacional. Paulo Ghiraldelli Jr. escreveu inúmeras vezes (aqui está um destes textos: http://ghiraldelli.pro.br/cotas-etnicas-de-novo/) explicando o erro daquelas justificativas pró-cotas, e dizendo que esta política é de integração social, de inserção de pessoas de cor diferente em um espaço homogeneamente branco, e que esta convivência com o tempo reduziria o preconceito.

Junto a cada opinião sobre esse assunto, coladas a elas, vinha a ideia de que ela se refere a determinada posição política. Parecia fácil: ser favorável às cotas é ser de esquerda, ser contra as cotas é ser de direita. Historicamente, a esquerda é a posição atenta às demandas e às necessidades sociais, e a direita é atenta às demandas e necessidades dos "setores produtivos". Na defesa ou no ataque às cotas, o opinador vê a si mesmo, e é visto pelo seu leitor, como sendo de esquerda ou de direita.

Paulo Ghiraldelli Jr. sempre se colocou antes como filósofo do que como tendo posição política a priori. A posição de Janaína, expressa na entrevista, dificulta que se a coloque à esquerda ou à direita. Bem, eu diria que esta dificuldade é aparente. O que se segue explica isso.

As militâncias que se identificam como sendo de esquerda, no Brasil, ao defenderem a política de cotas do governo, frequentemente também afirmam que são contra o mérito (https://www.youtube.com/watch?v=sf6xBMNu774). Acusam o mérito como sendo um valor excludente e da direita. As posições contra as cotas, declaradamente à direita, por sua vez, confirmam as posições favoráveis, mas com o sinal invertido: esta politica interfere no mérito, que deveria ser o norteador do ingresso nas universidades. Como é possível, então, dizer-se, junto de Janaína, favorável às cotas e ao mérito?

Bem, para conseguir isso é preciso defender os interesses sociais ser alinhar-se à esquerda. Mas com esquerda estou apontando para os partidos e os militantes que se apresentam, hoje, com esta posição. Não é possível apoiar o discurso deles, sendo também favorável ao mérito. Então só é possível se, antes de se alinhar aos "defensores do social" que estão aí, buscar os interesses sociais de forma crítica. Não é porque os negros precisam entrar rapidamente na universidade que se vai abandonar o mérito.

Quanto aos militantes e partidos que se dizem de direita, também não é possível enquadrar-se em seu discurso se se defende as cotas. É preciso analisar as universidades e a sociedade brasileiras para se perceber que defesa do mérito, do reconhecimento do merecimento do esforço individual, não exclui a necessidade de que os brancos que frequentam a universidade, justamente para estarem em uma "universidade", precisam do aprendizado com a convivência com o negro.

Os partidos e militantes que se dizem de esquerda ou de direita revelam-se carentes de capacidade de análise. Mas eu não diria que sejam carentes de racionalidade. Hitler tinha muita racionalidade, e nenhuma emoção. Como Janaína lembra na entrevista, a emoção deve dirigir a razão. Isto contraria a ideia de que nossos pensamentos e decisões devam basear-se na razão e excluir a emoção, pois ela turvaria nossa capacidade de sermos racionais. Em nome disso a humanidade conheceu autoritarismos sangrentos que se diziam tanto à esquerda como à direita.

A emoção, o sentir o que está acontecendo ao próprio redor, o falar com as pessoas e ter empatia pelas sensações delas, a capacidade de identificação com suas experiências, deve ser o orientador da razão. É porque eu sinto que as pessoas e os animais não podem sofrer crueldade, e que devam ter totais oportunidades de se desenvolverem, que apoiarei políticas que favoreçam isso. E é porque eu me sentiria aviltado se um estudante aplicado não ingressasse na melhor universidade, ou um competente e original pesquisador não conseguisse bons financiamentos, que eu só posso apoiar a consideração do mérito no concedimento destes benefícios.

Penso porque sinto, não penso sob um esquema programado de partido. Por ser sensível às necessidades sociais, posso ser de esquerda para além daqueles que se dizem assim, pois estes só pensam, e pensam curto, dentro enquadramento das suas próprias posições. E posso defender os direitos individuais de quem produz conhecimento e riqueza, sem me dizer como sendo de direita, pois os que se identificam assim pensam da mesma forma fria e pré-programada.

É por estas e por outras que devemos devemos desvincular a esquerda de partidos e militâncias com velhas ideias totalitárias. E parar de achar que, para defender os direitos individuais, é preciso ser insensível com as questões sociais. É uma pseudo razão pensar a esquerda e a direita desta forma.


P.s.: Este texto requer que o leitor seja capaz de pensar além de esquemas já aprendidos.

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