sábado, 30 de abril de 2016

Satisfeita com o cocô


"Providencie um lugar fora do acampamento para as suas necessidades. Junto com o equipamento, tenha sempre uma pá. Quando você sair para fazer as necessidades, cave com ela e, ao terminar, cubra as fezes. Porque Javé seu Deus anda pelo acampamento para protegê-lo e entregar os inimigos a você. Por isso o acampamento deve ser santo., para que Javé não veja nada de inconveniente e não se afaste de você." (Deuteronômio. 23:13).

A manifestante do MASP (https://www.youtube.com/watch?v=xThzMlxHn7g) pôs uma foto do Bolsonaro no chão e cuspiu, vomitou, urinou e defecou em cima. A foto do Bolsonaro é como um totem, para ela: dela saem ordens que a manifestante leva a sério. Para ela, outras pessoas obedecem ao totem, mas ela se rebela. Ela também considera Bolsonaro um mito, mas o nega.

Cada um daqueles manifestantes rezou invertidamente ao Bolsomito. A foto no deputado, no chão, era um altar erguido por cada um. Altar individual. Por que não se deram as mãos, em circulo ou não, para uma vomitação ou defecação coletiva? Porque não há mais unidade. Há dispersão. Viemos do líquido. Submergimos no líquido, como um novo nascimento. Encontramos um Eu ao dissolvermo-nos no divino (Peter Sloterdijk, O Estranhamento do Mundo).

Não foi o que houve na manifestação: cada um quis ficar sozinho, mas não pôde, pois fez dupla com o seu deus perturbador Bolsomito. Este é um deus que não traz o aconchego, não é como o aquoso útero materno. O que ele dá a quem o ouve é merda, e merda foi o que a manifestante lhe devolveu.

São Paulo, para ela e os demais manifestantes, não é mais santa. Não é mais terra de Deus. Espantaram-no com os cuspes e defecações. Não consideram o acaso de encontrar o inimigo para conversar, ou o acaso de escrever uma crítica a ele, ajudado pelo estudo. De uma universidade eles podem até ser alunos ou professores, mas são militantes, não estudantes.

Estão entregues à primitividade da relação com um totem, do amor e ódio não simbolizados, vividos como medo da morte por fuzilamento ou oferecimento de si no tirar a roupa e ficar de cócoras.


Mostrar a bunda a alguém é lembrá-lo do seu ancestral de quatro patas, que cheirava a bunda e o sexo do outro. É um ato de cinismo, de fazer-se baixo para mostrar o quanto o outro não pode ser levado a sério (Peter Sloterdijk. A Crítica da Razão Cínica). É um riso. A manifestante que defecou na foto do Bolsonaro não deu o riso que faria o gesto ter um começo, um meio e um fim no efeito de ridicularizar o deputado. Ela defecou, não se limpou e continuou de pé no mesmo lugar, afirmando a permanência de quem fez o ato.

Com Agamben (https://www.youtube.com/watch?v=SNbKMjftAmM), somos modernos à medida em que a nossa vida é a vida nua, vida do corpo, não a vida da pessoa. Reduzimos o outro a receptáculo dos nossos despojos, objetificando-o. Se é alguém como Bolsonaro, que gosta de falar merda na televisão, tratando-nos como privada, objetificá-lo é uma boa reação, pois expressa que há uma pessoa, ali, não um objeto dele.

Mas, e se a pessoa permanece parada, após devolver o cocô para o Bolsonaro? A manifestante do MASP mostrou-se tão orgulhosa do seu feito que parou no gesto. Igual a uma saudação nazista. Bolsonaro elogiou o Ulstra, e a manifestante elogiou o Bolsonaro, ao satisfazer-se em ocupar o lugar dele. É como se não pudesse haver nada melhor do que isso, em São Paulo ou no Rio.

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