terça-feira, 19 de abril de 2016

O servo de um rosto e de uma voz


"Se o seu olho é ocasião de escândalo para você, arranque-o e jogue-o para longe de você. É melhor você entrar para a vida com um olho só, do que ter os dois olhos, e ser jogado no inferno de fogo." (Mateus, 18:9)

Se uma perspectiva que você tem está impedindo-o de pensar, arranque-a de você e jogue-a fora. Pensar é pensar o novo. Uma perspectiva anterior pode ser um apoio nisso, mas ela sempre sairá ao menos um pouco destruída do processo de pensamento (http://ghiraldelli.pro.br/sera-que-sou-original-na-minha-critica/).

Um rosto é uma forma de apropriar-se de uma aparição sem essência (esta ideia é do filósofo italiano Giorgio Agamben. Veja em "Rosto": https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=agamben%20rosto), fazendo um eu. Uma ideia é uma forma de apropriar-se do pensamento, que é sem ponto fixo.

"Quando você rezar, entre no seu quarto, feche a porta, e reze ao seu Pai ocultamente, e o seu Pai, que vê o escondido, recompensará você." (Mateus 6:6).

Recompensas vêm para quem contém o afã de mostrar o próprio rosto e a própria voz. O rosto e a voz são formas de apreender as inúmeras coisas que vão sendo mostradas. O eu, formado nisso, é inseguro de si e quer exibir-se para outros. O retorno que se tem é o do espelho, que apenas diz sim e não, está bom ou mau.

A recompensa dada por Aquele que é todos os rostos e todas as vozes é ser visto como novo, e dizer o novo. Deus vai no escondido, naquilo que ainda não arrumamos para exibir, para daí retirar novos eus. O resultado disso não é para os olhos dos outros homens, e nem para os olhos do próprio eu.

Deus vê o não apreendido, sem precisar apreendê-lo. Sem precisar que seja dito em voz alta ou apareça em um rosto. O eu arruma uma fala e um rosto para comunicar algo, pretende um resultado prático. Não se tem intenções com Deus. Sendo todos os rostos e todas as vozes, Ele é não apreensível. Está além do que qualquer um consegue domar para exibir como eu.

A um texto alguém dá uma resposta pronta. A uma imagem, faz uma cara-resposta pronta. Está ocupado com o que está exibindo. Dizer "não sei, vou me segurar, pensar" é frear o afã de apropriar-se das exibições e formatá-las num eu. É ser visto estando paralisado, absorto.

Após pensar, será por meio de um eu que dirá alguma coisa. Mas esta coisa não será a mesma que dizia antes.

Um comentário: