quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Moving selfie


No aplicativo Periscope (dê uma olhada em https://www.periscope.tv/, para entender melhor este texto), jovens falam para a câmera do seu celular, em transmissões em vídeo para o mundo todo. Até pouco tempo tirávamos selfies, que nos davam imagens de nós mesmos. Os vídeos feitos no Periscope são imagens em movimento. Imagens do rosto, pescoço e tórax.

Nas transmissões, sempre ao vivo, observadores comentam sobre o eu que se exibe. O sotaque e o assunto compõem o quadro. O assunto não é de especialista: é o que a pessoa está comendo, como está sua cama, como está seu rosto e seu corpo. Não se distancia muito do que mostrava a selfie. A imagem. O eu.

O eu é exibido e comentado sem que se extrapole o círculo dele mesmo. Funciona como O Espelho, do Machado de Assis, que, ao mostrar o Alferes, recompunha sua imagem, dava-lhe uma integridade que de outro modo estaria perdida. Os especialistas que falam no Periscope são, em sua maioria, especialistas de marketing. Ensinam a gravar vídeos, a falar, a se divulgar, a garantir a rodagem do círculo do eu.

Uma pessoa pode dizer que a própria voz é esquisita, o cabelo está ruim, e a roupa está engordando. Os observadores corrigem esta impressão, elogiando ou dando dicas. O eu respira aliviado. Mas precisa continuar mostrando novidades: a compra nova, a viagem para um lugar lindo, objetos e cenários para novamente emoldurar o eu.

O que se fala, no Periscope, não é escutado, mas visto. "Video killed the radio star". No vídeo, tudo é visual, show, e a fala é parte disso. Não há paciência para acompanhar raciocínios. O que importa é a boca mexendo, o tom de voz que combina com o rosto, e se o uso da língula não está muito incorreto, que deixam mais ou menos atraente aquele que se exibe.

Como sair do rosto? Mostrando mais o restante do corpo, e ele se movendo. Movendo-se pela casa, pelo prédio, pela rua, mostrando quem passa, oferecendo outras imagens a quem observa. Eu ando por aí, tenho algo a ver com outras coisas. Mas, para não ser simples sucessão de imagens, tenho que enlaçá-las em uma narrativa, contar algo sobre elas. Posso estar no meu quarto, fazendo isso, em dupla com um observador. Pensando junto. Pode ser junto da câmera-espelho. Desenvolvendo a imagem através da fala que traz memórias, vivências.

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