sábado, 5 de dezembro de 2015

Jovens velhos antipáticos



Internação, no hospital, a comida é ruim, a cama é ruim, a tv é ruim, tudo é ruim. A enfermeira começa a ser xingada: se for japonesa, é japa, se for gorda, é rolha de poço, se for negra, crioula. Chega a visita da amiga, justamente japonesa, gorda e negra. As reclamações ao hospital continuam, e a amiga fica desconfortável. Sabe que a internada é boa pessoa, e passa por um momento difícil. Em situações normais, somos generosos. Entretanto, é a situação piorar um pouco, e a generosidade também. Internado, enjoado, com dores, diarreia, a pulsão volta-se inteiramente para o Eu, como diz Freud, e o mundo que se exploda.

Conheci um sinhozinho que era a alegria das crianças e dos cachorros que passavam pela sua porta. Era o "gente-boa". Nossa conversa se alongava. Surgiam as queixas sobre a família, especialmente o neto, e também contra a empregada, a quem chamava de "negra". A respiração ameaçava falhar, e ele me lembrava que seu transtorno de ansiedade era real.

Quantos "gente-boa" você não conhece que, se conhecer melhor, verá que têm atitudes e opiniões não generosas? Isto não diminui o ser "gente-boa", do vovô, pois ele realmente era um vovô fofo para os pequenos. Fazia-lhes bem. Mas, ao me permitir escutá-lo melhor, tomava-me de receptáculo para seus males. Era como se eu fosse seu exorcista.

O mundo ocidental não tem situações de guerra, não enfrenta terríveis crises econômicas, e não há escassez de alimentos. Tempos leves, em que a juventude se expande, como diz Paulo Ghiraldelli Jr (https://youtu.be/6CD9Zdc_mdI). Expande-se pelo tempo e pelo espaço: hoje se é jovem até aos 45 e, em reuniões de negócios, têm valido mais a energia e a inovação do que a seriedade e o conservadorismo.

Jovens fazem vídeos para a internet, comentando assuntos que, antes, apareciam apenas na boca de especialistas. Na mesa do jantar, discutia-se a política do país, para além do JN. Agora a opinião sai de casa. Pode-se ser jovem, fazer o que "dá na telha" em qualquer lugar, e a todo momento. O tempo de escolarização, para se ter uma disciplina de estudos, de aquisição de conhecimento, é muito lento. Entra-se na escola já se sabendo de tudo, e se sai dela se sabendo o mesmo. Isso porque hoje a educação inexiste, enquanto valor social, e o jovem é jovem integralmente, não há um corte.

O jovem, ou a velocidade cada vez mais sem barreiras, diz o que é a realidade, o que é bom e o que´é mau. Como diz Ghiraldelli, por serem balões com tendência a não pararem nunca mais de subir, buscam gravidade, algo que os puxe para baixo. Tatuar âncora está na moda. Da liberdade comportamental em geral não vão recuar. Atacarão tudo o que pareça restrição a essa liberdade: qualquer senão ao aborto, ao feminismo, à liberação das drogas, é entendido como insustentável conservadorismo, que não vale a pena sequer ser ouvido.

Uma pessoa com ótimo trâmite social, como um comerciante, num churrasco de domingo dizia coisas preconceituosas: "não gosto de viado. filho meu é homem". Quem o ouvia, mesmo que não concordasse, dava-lhe o direito à opinião, e tributava sua expressão a um momento de relaxamento em uma vida não tão fácil. Hoje, quem escuta o comerciante dizer aquilo, toma sua fala como pública e, portanto, séria.

Trabalho e lazer, privado e publico têm se separado menos. O jovem vai trabalhar de bermuda, e em casa se incomoda muito com as ideias menos socialmente generosas, dos pais. Uma moça chamada Jout Jout deu uma entrevista, em mídia escrita (http://m.folha.uol.com.br/voceviu/2015/11/1707052-jout-jout-diz-que-se-sentiu-desconfortavel-em-entrevista-com-jo-soares.shtml), em que disse ter se sentido desconfortável na entrevista que dera ao Jô. Ela havia lhe dito sobre uma amiga cujo namorado mandou-a tirar o batom vermelho, "que era de puta". Jout Jout fez um vídeo em que relatou a cena como sendo de uma relação abusiva. Jô pediu para a produção exibir o "vídeo da puta". Foi uma tirada, uma piada que poderia provocar riso até em pessoas que passaram por problemas semelhantes. Mas Jout Jout se incomodou.

O incômodo da mesa de jantar foi levado para a mesa do Jô, que é uma situação social, embora relaxada. A juventude incomodada ocupa todos os espaços, desconhecendo diferenças entre o que um pai fala no churrasco, o que ele fala no escritório e o que é para o Jô.

Todos queremos viver em um mundo melhor, o que quer dizer menos pobre, menos burro (o que inclui menos preconceituoso), menos feio, menos triste, menos desrespeitado, menos controlado. Falas privadas devem poder ser livres. Um preconceito dito em casa pode ser visto com um peso menor, caso o ponto central dos problemas dos grupos seja atacado. Quanto mais a vida for favorável a todos, sem esquecer ninguém, menos perseguiremos piadas, menos desconfiaremos do riso, mais liberdades diferentes nos daremos no privado e no público.

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