segunda-feira, 15 de junho de 2015

Como viver um momento?


Você levou seu filho para a Disney. Ele adorou os brinquedos, os personagens, as lojas, tudo. Você gastou bastante dinheiro, e ficou satisfeito. Algo da sua satisfação se deve justamente ao fato de ter gasto dinheiro.

Em um dia, na escola, foi aniversário de um coleguinha. Os pais dele decoraram o pequeno pátio, levaram bolo, cachorro-quente, pipoca e suco. Puseram chapéus nas crianças, que enchiam a boca e subiam nos brinquedos já conhecidos, corriam com os amigos. A boca cheia de comida obrigava o sorriso a ser ainda mais forte, para que pudesse ser solto. Periodicamente, cada um voltava para reabastecer bocas e mãos para, então, voltar a perseguir e ser perseguido.

A festinha passou e virou assunto por algum tempo. “Disney custou mais”, pensava aquele pai. O custo importava era para ele mesmo. O filho se divertiu tanto na Disney quanto na festinha. Cada momento de emoção de uma criança é absoluto: se está feliz, a sensação dela e de quem a vê é de que dura para sempre; se algo acontece e a deixa triste, o lamento é profundo e parece sem solução. Tal como a arte, que respira, a situação emocionante é também “respirante”, e enche os pulmões da criança de ar, para sorrir ou chorar. Novamente, tal como a arte, essas situações roubam as suas palavras. Um adulto fica sem ter o que dizer, quando presencia uma arte. Uma criança ainda não tem repertório verbal para entender suas experiências e, por isso, as sente muito.

O passar das experiências, e das conversas sobre elas, faz com que a criança vá construindo uma bagagem de sentidos, que será usada para entender o que já aconteceu e o que acontecerá com ela mesma. O adulto tem muitas experiências, e sabe muitas coisas. Ele diz para uma criança que aquela tristeza irá passar. Mas ele próprio não é capaz de sentir a alegria que ela sente diante de uma situação nova. Ele não tem situações novas, é como se não tivesse mais experiências.

Walter Benjamin disse que perdêramos a capacidade de termos experiências plenas, e de contarmos histórias. Os acontecimentos da vida moderna eram acelerados e impactantes, e a vida tradicional se esvaía. O homem não se afetava mais com as coisas, e não encontrava mais com quem conversar, contar de si mesmo. Além disso, a Segunda Guerra devolveu soldados que viajaram, lutaram, mas que não tinham nada para contar, como se houvessem sido tão expostos ao horror que este ficou banal, e sem assunto. Os soldados nada diziam por não terem o que dizer. O apreciador de uma arte nada diz por estar estupefato. Os soldados nada sentem. O estupefato sente tanto que não sabe o que dizer.

Em uma loja de brinquedos, a criança entra feliz, e chora em três minutos, bastando o tempo de a mãe lhe dizer que não comprará nada. A entrada é apoteose de bonecos para se ter à mão, brincar. É a intensidade de emoções da criança espalhando-se e encarnando mil brinquedos, que sorriem de volta para ela. Ela escolhe dois ou três, para pegar. São a concentração de toda a alegria que foi trocada com a loja. O "não" que a criança ouve é um corte da ligação dela com os mil brinquedos, que havia chegado a uma definição quando ela segurou dois deles. Ela se desespera com o desmoronamento do castelo de areia que era esse vínculo. A mãe diz não ter dinheiro, não ser aniversário, dar depois, etc. Oferece sentidos para que a criança se desvencilhe da emoção que toma conta dela.

Aos poucos a criança vai aceitando as razões da mãe, deixando para depois o brinquedo que a religará com todos os outros. O choro vai diminuir também a alegria com a apoteose. A parte da alma responsável pelo ímpeto vai sofrendo com os “nãos” duros, e sendo domada. Algumas recompensas podem vir, e a criança relativizar a alegria e a tristeza, ou pode não vir qualquer recompensa, e a criança ficar dura, para não mais sentir. A apoteose se transformará em apenas brinquedos, a que, um dia, ela poderá ter, se se comportar, etc. Ou será uma festa para a qual nunca será convidada. No segundo caso, sempre voltará magoada, àquele momento. No primeiro caso, uma situação dará lugar à outra, e à outra, não mais havendo perduração de emoções.

O adulto tem momentos, vive uma história, enquanto a criança tem não-momentos, pois flerta com o absoluto, o sem história. Ela viveu pouco, tem poucas memórias, então sente como se tivesse acabado de chegar aqui, neste mundo. Por isso se agarra a cada coisa que acontece, e às suas emoções.

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