segunda-feira, 15 de junho de 2015

Considerações sobre a contribuição da filosofia para a psicologia

A psicologia científica é o estudo de processos psicológicos como a percepção, a memória, a atenção, etc. Como intervenção, atua em empresas, escolas, hospitais e outras instituições, com a intenção de favorecer a participação dos indivíduos nas propostas destes lugares, sem perder de vista se o indivíduo está tendo os seus interesses considerados e o seu bem-estar assegurado.

No consultório, o indivíduo fala suas ideias e o que sente, e a terapia aponta na direção de ele se sentir melhor consigo mesmo, e com mais capacidade de desempenhar bem seus papéis.

Birman, em seu livro “Freud e a Filosofia”, conta que Foucault, em “As Palavras e as Coisas”, observa que na Teoria do Trauma, da psicanálise, as palavras ainda, necessariamente, devem refletir as coisas. Freud observou que alguns de seus pacientes traziam, sob hipnose, relatos de cenas em que foram seduzidos por um adulto, enquanto eram crianças. Para a Teoria, o relato correspondia a uma cena de fato ocorrida, e que havia ficado marcada no psiquismo do paciente. Contudo, quando Freud passou a considerar a cena de sedução um fato psíquico, uma fantasia do paciente, e não um fato que tenha realmente acontecido com ele, finalmente desconectou as palavras das coisas. A fantasia é um discurso sobre um fato imaginado, e levá-la em consideração significava conferir autonomia ao psiquismo. A psicologia, contudo, não deu esse passo dado pela psicanálise, pois permaneceu buscando a correspondência entre o discurso do paciente e as coisas às quais ele se referia.

Os processos psicológicos são categorias do pensamento, e este, desde Descartes, precisa ser racional, ser conduzido sem erro, não levar à falsidade. A psicologia é herdeira desta filosofia, encontrando na razão o fundamento da verdade e também do eu. Neste racionalismo, alucinações e delírios eram avaliados como erros. Sonhos e imaginação, vistos como dificultadores da razão. A psicanálise conferiu valor positivo, de razão, à imaginação, aos delírios, alucinações. Mas tratava-se de uma outra razão: era o pensamento e a lógica de um sujeito desconhecido, habitante do interior do antigo sujeito cartesiano, e que o atropelava.

Voltando à psicologia, ela olhará o indivíduo na sua adaptabilidade à “realidade”. Seus esforços se voltarão ao entendimento das características e propriedades de determinados objetos circunscritos, como o funcionamento da consciência, das emoções, a linguagem, etc, além do desenvolvimento de técnicas mais eficazes para entendê-los e manejá-los. Toda ciência tem diante de si objetos a serem conhecidos, e técnicas de obtenção de conhecimento ou de intervenção sobre eles, a serem desenvolvidas. A filosofia, de outro modo, dá um passo atrás em relação ao objeto, e o estranha. Ela antes pergunta o que é consciência ou pensamento, do que como eles funcionam. Ou pergunta sobre o modo como podemos viver e conversar melhor, e, para isso, pergunta pelas modificações que podemos fazer nos conceitos que utilizamos, como o conceito de pensamento.

Um problema advindo da prática técnica, em torno de um objeto, se coloca para a ciência, mas não para a filosofia. A preocupação desta, desde o seu surgimento, é com as razões ou as causas das coisas, para estabelecer a sua lógica, conta Paulo Ghiraldelli Jr. Ao lado de uma filosofia explicadora, a história da filosofia tem filosofia morais, que comentam questões relativas aos comportamentos. A filosofia pergunta “O que é pensar? O que é verdade? Porque, em nossa cultura e práticas científicas, ou leigas, atribuímos a estes elementos um valor que não atribuímos a outros?”, e estas perguntas vão fazendo elaborar outras, e uma visão de mundo vai sendo constituída. A filosofia moral, por sua vez, interessa-se em saber sobre o nosso modo de viver, e inspira intervenções para fazer-nos viver melhor.

A atitude de pensar sobre o que é aquilo com o qual se está lidando, atitude esta que pode ser compartilhada com as pessoas a quem atende, permite ao psicólogo enriquecer sua leitura sobre seus casos. Analisar as formas de amar, de ser justo, de ser liberal, de ter valores, de desempenhar bem funções e papéis, de ser feliz, de atribuir sentido à vida, etc, leva à ampliação das narrativas que se constrói acerca de um paciente. A interpretação de um indivíduo é a perseguição da sua lógica própria, mas precisa recorrer a noções que não dizem respeito a ele. É preciso saber, por exemplo, o que é “eu’, “indivíduo”, “social”, “habilidades” e “representações”, antes de se falar em psicoterapia, “individualidade”, “habilidades sociais” e “representações sociais”. E se entende melhor aquelas noções quando se tem experiências com um eu, um individuo, um social, uma habilidade e uma representação. A interpretação de um indivíduo, sem o recurso às narrativas da filosofia, acaba dando em uma narrativa solipsista, fechada em si mesma e, por isso, pouco rica.

Conhece-se alguém a partir de narrativas que não provém dele. Por outro lado, o uso de uma categoria psicológica, sem que se a reformule a partir de noções filosóficas, dá todas as condições para que se a imponha sobre aquele a quem deveria interpretar. Conhece-se alguém a partir de uma narrativa que provém dele, mas é preciso também conhecer os instrumentos de leitura que se está utilizando.

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