segunda-feira, 15 de junho de 2015

Que uso você dá à sua emoção?



Na Ilíada, Agamenon e Aquiles discutiam acaloradamente. O primeiro era o líder dos gregos. O segundo, o maior guerreiro deste exército. Agamenon tinha de devolver aos troianos uma jovem que estava em seu poder, tomada como despojo de guerra. Preocupado com o prejuízo que isto acarretaria à sua imagem, junto aos seus comandados, o líder exortou a estes que lhe recompensassem esta perda. Aquiles era o único que dele discordava frontalmente. Segundo ele, ninguém ali deveria abrir mão do que possui.

Agamenon dissera que um dos seus guerreiros guiaria de volta para casa a jovem a ser devolvida, juntamente com oferendas a Apolo. Aquiles afirmou que ninguém ali tinha que fazer isto por ele, por se tratar de assunto pessoal. O guerreiro afirmou que ele mesmo não possuía contas a acertar com os troianos, mas se engajava na guerra pela glória de Agamenon.

Enfurecera ao líder, esta oposição. Ele disse que os gregos, e mesmo Zeus, estavam ao seu lado, ajudando-o. Disse já saber de quem tiraria uma compensação pela jovem perdida: o próprio Aquiles lhe daria uma de suas mulheres, também recebida como prêmio de guerra.

Sentiu uma forte dor no peito, o guerreiro, e a espada foi desembainhada. Imediatamente desce do Olimpo a deusa Atena, e de Aquiles se aproxima. Enviou-a Hera, protetora de ambos litigantes. Se ele obedece a uma deusa, que guarde a arma. Antes insultasse o adversário. Futuramente, para ele, haveria uma compensação pelo desaforo sofrido de Agamenon, previu Atena. A espada voltou à sua morada, sem que o coração de Aquiles cedesse em sua raiva.

Parte daquela raiva fora empregada em insultos dirigidos a Agamenon. Outra parte fora gasta na promessa de que os gregos seriam chacinados pelo inimigo troiano, e que todos veriam a insensatez de Agamenon em desonrar seu melhor guerreiro, que se retirava desde já da batalha.

Em seguida levanta-se Nestor, ancião que já convivera com gerações de homens mais fortes do que aqueles. Sempre fora ouvido por estes heróis antigos, por respeito. Presenciara ao fim da vida deles, na batalha dizimadora. Nestor era dono da autoridade da experiência. Que, então, lhe obedecessem Aquiles e Agamenon: poderoso embora seja o comandante, que não agisse por ira e tomasse a mulher do outro; o guerreiro, por seu lado, era forte, mas dotado de mais poder era o líder, então, que não lhe fizesse oposição.

Ao escutarem estas razões, puderam não diminuir a própria ira, mas encaminhar o pensamento a respeito do que fariam, e do que comunicariam um ao outro. Agamenon considerava Aquiles insolente, e abria mão da sua ajuda, na guerra. Aquiles respondeu que jamais obedeceria ao líder, e que a mulher fosse a única coisa a lhe ser retirada ou, enfim, inevitavelmente usaria a espada.

A reunião se dispersou. Sentado, em sua nau, Aquiles é visitado pela comitiva que levaria embora a mulher. Ela se vai. O guerreiro afasta-se, para chorar. A deusa Tétis, sua mãe, aproxima-se. Pede para que lhe fale o que lhe entristeceu o espírito. Fale, para que ambos saibam.

Após ter obedecido à deusa, evitando uma catástrofe, e a Nestor, mantendo a dignidade de não continuar atacando Agamenon, Aquiles precisava consultar a si mesmo, refletir. Tétis disse que tudo o que o filho disser para ela, ele próprio também saberá. Lançar uma sentença para si mesmo e se responder são o bate-volta da reflexão, do pensamento. A consciência é sempre uma dupla. Dada a emocionalidade de Aquiles, naquele momento, Tétis seria o ouvido para o qual ele poderia lançar as sentenças, e depois escutar a si mesmo.

Aquiles narra os últimos acontecimentos, ressaltando a ira de Agamenon, e a injustiça que sofrera dele. Pediu à mãe que convecesse Zeus de favorecer aos troianos, para que os gregos sintam bastante a falta dele. Ao fim do desabafo, os olhos de Aquiles secaram, a raiva resultara num plano racional.

Quando se está com raiva de alguém, se diz algo a mais ou algo a menos do que se gostaria se dizer, para ele. Não se diz algo que satisfaça, ou a resposta que o outro lhe dá o faz sentir que o bastante ainda não foi dito. A discussão se alonga, a emoção cresce e fica cada vez mais dificil pensar no que se vai dizer, e se satisfazer com que se diz.

Atena impediu que Aquiles chegasse à vias de fato, com Agamenon. Redirecionou a raiva para os insultos. Nestor chamou-os aos seus lugares, mostrou a indignidade de ambos, ao conflitarem. Cada um pôde arrumar a própria impressão do outro, comunicá-la e também ao que faria. Puderam ficar sozinhos com o que estavam sentindo. As próprias razões para ter agido como agiu, e para guiar os planos dali para frente, demandaram a reflexão. Tétis atendeu Aquiles nisso.

Com um plano em mente, Aquiles pôde, irado, assistir ao desenrolar dos acontecimentos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário