segunda-feira, 15 de junho de 2015

Ed Motta, com pobre a gente tem que ser muito delicado.



Ed Motta reclamou, na internet, das pessoas que gritaram em um show dele, no exterior (http://noticias.r7.com/domingo-espetacular/videos/preconceito-ed-motta-diz-que-brasileiros-nao-sao-bem-vindos-em-shows-na-europa-12042015). Queriam que ele cantasse as músicas que ele tem em português. Ele disse que não tocava para as pessoas “se lembrarem de sua terra natal”. Ele só tocaria músicas em inglês, e usaria este idioma para se comunicar com o público. As reclamações contra ele chamavam-no de elitista. Ed disse que aqueles brasileiros, em seu show, comportavam-se como se estivessem em uma torcida de futebol, ou em um show de um artista de sucesso de massa.

Elite quer dizer “eleitos”, e isso se diz baseando-se em determinado tipo de características: em um país há a elite intelectual, a elite econômica e a elite política. Dentro de uma instituição específica também há uma elite: determinada religião tem o seu líder, determinado esporte tem um atleta notável, etc. Estas pessoas se notabilizam por suplantarem a maioria nas características valorizadas pelo conjunto da população, ou pelo grupo (às vezes, pelos dois ao mesmo tempo). A elite o é por apresentar determinada característica (um excelente pianista, um grande filósofo, um importante político), e por ser reconhecida nisso, pelas demais pessoas.

No Brasil, não valorizamos a intelectualidade. Consideramos elite as pessoas com mais dinheiro, e que, em decorrência disso, moram em lugares mais caros, viajam freqüentemente para o exterior, etc. Estas pessoas espraiam-se no meio artístico e no político (mais no primeiro, pois, no segundo, despertam desconfiança dos que vêem), e figuram em capas de revista e na internet. A maior parte dos artistas não é da elite econômica, mas a elite econômica adora aparecer junto a grandes artistas, mesmo não possuindo talento artístico. Em muitos casos, jovens ricos não possuem talento para administrar as empresas de seus pais, mas tornam-se fundamentais para o ganho de dinheiro destes, pois, à medida que aparecem ao lado de um artista, atraem a atenção do público para as marcas.

Há alguns meses, a socialite Danuza Leão recebeu críticas de internautas por reclamar que, com o aumento da condição de consumo dos mais pobres, os porteiros dos prédios estavam conseguindo viajar, e ela temia o dia em que veria algum deles na mesma loja que ela, nos Eua ou na Europa (http://www.brasil247.com/pt/247/cultura/86189/Danuza-lamenta-que-todos-possam-ir-a-Paris-ou-NY.htm). Ela tem dinheiro, mais do que a maioria, e quer um lugar que lhe diga isso, um lugar em que ela não encontre qualquer pessoa. “Qualquer pessoa” ela quer encontrar do outro lado da sua coluna no jornal, como leitor-admirador. Ela reage à melhoria das possibilidades de consumo, das pessoas. Está errada por discriminar os pobres que, se estão no exterior, não são mais pobres. Ela reage à perda dos “seus pobres”.

Deve-se mostrar tudo o que o dinheiro compra, mas não se pode falar mal do pobre. Esse trabalho deve ficar para o próprio pobre, que adora falar mal do vizinho que viajou, que apareceu na TV, etc. Ele é o maior vigilante do comportamento dele mesmo. Quanto ao rico, “tudo bem ele ser rico, mas não pode esnobar pobre”. Esse é o aspecto do nosso ethos que usamos para condenar Danuza.

Tem uma do Rubem Braga (“O compadre pobre”), em que o compadre rico ajudou o pobre com alguma coisa grande. Este, como demonstração de gratidão, todos os meses enviava umas dúzias de ovos, para o compadre rico. As despesas do envio ficavam por conta do rico, naturalmente. Mas o preço daquele monte de ovos compensava, e o agrado era feito. Não, na verdade os ovos não compensavam. Eles sempre chegavam quase todos quebrados. O filho do rico sugere ao pai que diga ao pobre não mais enviar os ovos, pois deles pouco se aproveitava, sem falar que devem fazer falta para o compadre pobre. O pai diz que não pode dizer isso, pois o compadre ficaria muito sem graça. “Com pobre a gente tem de ser muito delicado, meu filho”.

Neste vídeo ( https://youtu.be/pcg-z_OyUlU) do quadro de humor “Primo pobre e primo rico”, interpretado por Brandão Filho e Paulo Gracindo, respectivamente, o rico pergunta como vai o pobre, e este diz que vai mal. O rico não se condói, e afirma ir muito bem. Ele mostra o quão bem pode ficar com o dinheiro que tem, sem sentir nenhum pudor. E pensa que o pobre também deve estar bem. Escuta as queixas deste, que não lhe fazem eco. No final, o rico permanece sorrindo, e o pobre, que começara queixoso, termina revoltado. Podemos falar no quanto o rico ignora a condição do pobre. Por ora, prefiro dizer: às vezes o pobre tampouco pode aprender com o rico. O jeito e as idéias do rico indicam certas atitudes necessárias ao pobre, e coisas que ele precisa aprender, para deixar de ser pobre. Mas ocorre de o pobre ficar se menosprezando. O rico apresenta-se como um modelo sorridente. Ser uma inspiração é uma das melhores ajudas que ele pode dar ao pobre que quer deixar de ser pobre, mas é revoltante ao pobre que quer permanecer pobre.

O aumento do potencial de consumo pressionará o aburguesamento do comportamento de todos, ex-pobres ou novos-ricos. O novo-rico vai ao show do Ed Motta, no exterior, e comporta-se como torcida de futebol. Ele se acha mais educado do que o filho da empregada, que visita a casa dos patrões da sua mãe, usando chinelo, e almoça na cozinha. O novo rico se lambuza, e quer que o Ed fale português. Tudo indica que Ed não é Danuza: ele quer ver brasileiros na Europa, mas falando inglês e se comportando como elite. Os novos-ricos se incomodam com a petulância de um “cara que até pouco tempo estava no Conexão Japeri (Japeri é uma cidade do subúrbio do Rio), cantando Manoel, e que agora quer ensiná-los a se comportar”. Aí a nossa infantil indisposição para aprender se junta ao preconceito racial e contra o ex-pobre. Os pobres, aí, são os novos-ricos.

Ed, meu filho, com esses pobres a gente tem que ter uma delicadeza quintuplicada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário