quarta-feira, 18 de junho de 2014

César, o dono do mundo

Escrito em 29 de janeiro, quando da exibição de "Amor à vida": Aline, a vilã de Amor à vida, foi obrigada por Mariah e Niño a fazer o que fez. Para César, agora ele podia ver a verdade. Félix se indignou com o pai dizendo essas coisas. Você nunca viveu o amor, disse César. Quem ama defende cegamente o amado, mas essa cegueira difere da que acomete os olhos, defende-se César, cegueira esta que ele também tem. O amor de verdade é cego para os defeitos do amado? No Fedro, de Platão, Sócrates diz que o amante ama as virtudes e a beleza do amado, e quer contribuir para o desenvolvimento daquelas. Contudo, há uma cegueira nesse amor: o amante doa todo o seu tempo para estar junto do amado. Atribui-lhe qualidades que não são as dele, o amado, mas do deus de devoção do amante, embora ele tenha encontrado semelhanças entre seu amado e esse deus. Quando este amor acaba, o amante se desespera pelo esforço gasto com quem se revela diferente do que ele pensava. Se o amado comete uma falta, ela será corrigida, pois este amor quer o melhoramento do amado na virtude prezada pelo amante. Quando o amante é também amante da sabedoria, a alma do amado é um espelho para o amante conhecer a alma dele. Ele sabe como age neste mundo, e que não deve desgovernar-se diante dos seus estímulos, além de não dever acreditar em suas aparentes verdades. Ele atinge à Verdade fechando os olhos do corpo, e abrindo os da alma, para o que realmente tem existência: as Formas, imutáveis, eternas e perfeitas. Amar é ser meio cego para si mesmo, meio focado demais em determinada ideia do que se quer para si e o outro, e alheio a outros ideais. Além disso, é não condenar o amado por suas faltas. Ao contrário, é cuidar mais ainda dele para que ele melhore. Agora, a cegueira dos olhos do corpo é uma metáfora do que ocorre com o filósofo, que se desliga deste mundo e se liga ao outro, de mais realidade. César tem esse amor por Aline, cuidadoso com ela, e autocuidadoso? Ou tem um ódio cegador, destrutivo, por não ter sido bom o suficiente para ela? Porque ela o traiu, tendo ele lhe dado vida de luxo, um filho e, se lhe faltava juventude, tinha experiência pra oferecer? Experiência para oferecer? Não, para esquecer. Esquecer do que lhe tirou o poder. Ele não diria nada sobre as ex-mulheres que traiu, além do que seria necessário para dizer que ela é o maior amor da vida dele, o que não era nada pouco. O passado não chegaria naquela casa distante. Os filhos foram afastados, e a visão dele não era necessária: dependia em tudo dela, mas era como se tivesse uma súdita. César deixou para trás o passado que o afrontou. O poder dele é o de fazer seu poder ser limpo, por isso seguro, duradouro. Sendo o Grande César Cury, ele não deveria ter sido descoberto nas traições, nas armações, tendo um filho como Félix e perdendo a presidência do hospital. Até a troca da esposa pela secretária queimava seu filme. Que isso ficasse guardado, junto do retrato de Dorian Gray. Essas faltas não lhe doíam, mas irritavam. Aline o guardava. Quando ela foi descoberta, César voltou para a casa da Pilar. Cada presença de olhos ousavam censurar seus vícios e, o pior, viam-no como corno, cego, um coitado. "Pappy poderoso", eterna bufonaria, apesar de respeitosa, agora era deboche. César foi um cavalo descontrolado que não fez como Félix, para quem, faltando o amor do pai, amou-se a si mesmo de tal forma que era desprezível o amor que as pessoas sentiam umas pelas outras, por crianças e até por ele, Félix. Félix tinha profunda autoconscência, muito amor próprio e ódio por quem se interpusesse entre ele e a realização dele mesmo. Foi reduzido ao nada, obrigado a se importar pelos males que causou, com a Márcia, que lhe disse "ai, ai, ai" e puxou a orelha, e com o Carneirinho, que queria ver uma imagem boa dele, e conseguia ver. Esse cavalo podia tornar-se melhor, olhando para si mesmo, desta vez com a ajuda do olhar amoroso do outro. O cavalo César antes quis reinar, com seus desejos, na casa em que morava com Pilar. Félix desviava as acusações que poderiam jogar nele. Dona Bernarda tentava alertar os demais. César simplesmente não podia não ter o que queria. Suas faltas só doeram porque descobertas, pois significaram o fim da imagem do poder, na direção do hospital, e do poder territorial, em casa. Quando pegou a secretária, foi como se seu cavalo tivesse ultrapassado a porteira. Foi longe demais, e Aline o levou pra roça. Ele era maravilhoso, os outros eram ingratos. O mau cavalo se sentiu locupletado de novo. E ai de quem viesse estragar seu paraíso! Agora, de volta à casa da Pilar, ele está na posição vergonhosa de ser apenas um cavalo velho, sem poder. César não sabe o que é isso, e odeia quem, além de lhe negar poder, desnuda-o no que ele fez para perder o poder que tinha. Nada mais ridículo do que perder uma coroa por decisões erradas. César deverá aprender que a vertigem que se sente na sala do diretor de hospital não pode levá-lo a fazer o orgulho próprio solapar a delicadeza no trato com quem se ama. Diante do amor da minha vida, eu devo ser um pouco súdito.

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