quarta-feira, 11 de junho de 2014

Dona Tuca faz

Conheci Dona Tuca, uma artista da Cidade de Deus, Rio. Ela canta sambas, pagodes e um funk, compostos por ela. Gravou um cd, mas não é o que ela gostaria: bom seria ter um conjunto a acompanhando. Conseguindo isso, já poderá morrer, diz. Mas como não é famosa, é da favela, é negra e velha... Acordava no meio da noite, com as músicas surgindo na cabeça. Passava uma semana cantarolando e burilando a composição. Então a escrevia. O sujeito é aquele que aciona a si mesmo, é auto-motivador, segundo Sloterdijk. O não-sujeito seria aquele que não realiza isso, sendo um objeto das circunstâncias. Dna Tuca é um sujeito, na medida em que era despertada para compor, escrevia, gravou, visita lugares para mostrar o que faz. Dna Tuca faz o que quer. No entanto, o que ela mais quer, que é deixar gravadas, com uma boa produção, todas as suas músicas, é impedido por uma determinada conjuntura artística onde rebatem-se discriminações sociais. Isso não a deixa deprimida: ela continua falando de si e recitando aqui e ali. Algumas pessoas para as quais ela se dirige estão entre o realizar coisas e o não realizá-las, devido a algum impedimento externo ou a uma questão psicógica: ter dinheiro, ou não; ser famoso, ou não; morar em um bom bairro, ou não; ser branco e loiro, ou não. A cada momento pode-se não fazer o que se quer, ser objeto, ficar como um deprimido. Estes conflitos apoiam-se na identidade, um dos aspectos da subjetividade. "Quem sou eu, o que eu quero e o que eu posso" são as principais questões, aqui. O Hora da Coruja (http://m.youtube.com/watch?v=OapyDw2t4aI) discutiu um artigo do Benilton Bezerra, "Retraimento da autonomia e patologia da ação: a distimia como sintoma social" (in Neutzling, e outros. O futuro da autonomia: uma sociedade de indivíduos?. Ed. PUC Rio, 2009), sobre a depressão e a distimia como modos de ser de todos, independente de se ter estas patologias. A depressão, melancolia, dava um modelo para se observar o não-ser sujeito, como significando o não conseguir realizar os próprios desejos. Havia uma luta entre desejo e realidade, que fazia o drama do sujeito. Segundo Benilton, essa situação deu lugar a outra, a da distimia: na falta de enquadramentos estáveis para a existência (ideologias e tradições culturais), tem-se liberdade, mas acompanhada de falta de desejo. Então nada se quer, não se sabe que profissão adotar, se fará família ou não, etc. Nunca houve tão pouca barreira para o agir, e tanta indecisão. Dna Tuca fala mais é para distímicos, pessoas que não vivem uma luta interna ou contra o mundo. Pessoas diferentes dela, e dos que definem-se numa identidade (um ser sujeito à francesa) ou pela ação (o ser sujeito à alemã). Pessoas que estão em busca de uma inspiração para serem ou fazerem qualquer coisa, ou terem algum opositor. Ouvir Dna Tuca é lembrar-se de como era ter motivação. E ela bem gosta de nos falar do tesão que sente. Não, que já não pode mais sentir, por que é "uma velha de respeito", como disse.

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