sexta-feira, 20 de junho de 2014

Menino e menina

Eu já não podia mais correr e imitar lobo, para o Daniel fugir. Ele queria mais. Sugeri que chamasse o Pedro, que se encontrava entre outras crianças. Maria ouviu, e foi logo dizendo que eles estavam brincando de Hello Kitty. Pedro, que participava da brincadeira, disse que Hello Kitty era só para meninas. Daniel gritou “eu gosto!”, e fez das próprias feições as do bichinho mais fofo do mundo. Pedro foi tomado de uma alegria repentina. Saiu de onde estava e foi falar com o Daniel, ficar olho no olho com ele. Acalmou-se e perguntou sério: “Você gosta mesmo de Hello Kitty?”. Daniel repetiu “gosto!”, e readquiriu a carinha bochechuda e de olhos puxados. Pedro viu que podia, sim, ficar alegre, e disse ao Daniel: “vem brincar com a gente!”. Recostei-me à grade. Menina ou menino é uma questão do que se gosta, e do que se brinca de ser. Isto, para as crianças. Para nós, menino ou menina são preparativos para o que achamos que cada indivíduo deve ser. A criança só pode ser um ou outro. E, se uma biologia sagrada diz que menino deve ser aquele que nasce com uma coisa pendurada entre as pernas, e que menina é, automaticamente, aquela a quem isso está faltando, então a definição de qual dos dois se é fica fácil. Enquanto isso, Daniel está lá no meio dos outros, agachado e miando.

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