quarta-feira, 18 de junho de 2014

Tilburg e a paranóia

Saiu, em veículos de notícia nacionais, que na cidade de Tilburg, Holanda, estuda-se criar uma comunidade exclusiva para gays. A princípio pensei que o termo "exclusivo", ou "fechado", houvesse sido acrescentado pelos nossos jornalistas ao que realmente Tilburg está pretendendo. Mas esses termos também constam na primeira veiculação da notícia, no jornal holandês Brabants Dagblad. Como garantir que os habitantes de um lugar sejam gays? Será mesmo esta a intenção de Tilburg, e o seu jornal não forçou a barra noticiando que é pra ser "exclusivo"? No filme O Cruzeiro das Loucas, Cuba Gooding Jr e seu amigo entram em um cruzeiro, desavisados de que era um cruzeiro gay. Quando o percebem, já estão em alto mar. Como passariam as férias sem mulheres? Foram cantados, em situações divertidas. Divertiram-se muito, entraram no clima. Se fizeram sexo, ou não, pouco importa. Ninguém a bordo discriminou-os quando se afirmaram não-gays. Claro, se eles tivessem se mantidos sisudos, não teriam sido bem aceitos, pois o lugar era de descontração. Nos lugares com o gay, como identidade, o que conta é a abertura da pessoa para se divertir. Há uma preocupação geral de que essa abertura seja sexual. E de fato é sexual, pois é o corpo entrando no clima da festa, junto com os outros. Mas não necessariamente ocorre sexo. É necessário ser gay, nesses lugares, mas não é necessário dar ou comer alguém. Quando ficamos sabendo de um lugar que quer apenas gays entre seus habitantes, podemos ter um entendimento errado, por causa de uma perspectiva restrita do ser gay. Clubes de swing não exigem que se faça swing. Algumas praias de nudismo aceitam quem não quer se despir. Lugares de maior liberdade sexual ou corporal não costumam criar caso com as diferenças que são a normalidade, no resto do mundo. E que mundo é esse, se há "bairros gays", na Espanha e na própria Holanda, em que habitam não-gays? Ou em que só habitam gays, mas gays por morarem em um lugar cujo clima é de maior liberdade? Mas se for realmente a vontade de Tilburg só aceitar quem faz sexo com pessoas do mesmo sexo (coisa impossível de se garantir)? Como ela garantirá que esse gay não fantasie com o sexo oposto? Nossas identidades não conseguem dar conta da pluralidade dos nossos desejos. Mas, se existissem pessoas 100% gays, elas poderiam formar uma comunidade exclusiva? Comunidades não são cidades. Uma comunidade pode ter seu perfil de habitantes. Uma cidade é um espaço público. Uma comunidade pode ser uma grande casa, ou um grande espaço privado, com suas regras de aceitação de pessoas. Uma outra casa, que exista ao lado, já é uma quebra da comunidade. Os comportamentos já não serão comuns. Entre uma casa e outra, uma comunidade e outra, é o espaço público. Nele, grupos não podem ser discriminados. Uma comunidade que funciona sob regras escolhidas por seus próprios habitantes não é autoritária. Quem não compartilha delas, que busque outra ou forme a sua própria, associando-se a outros, no espaço público. Li algumas críticas a Tilburg. Dizem que pessoas discriminadas não podem discriminar. Ainda não sabemos se Tilburg realmente que ser exclusiva para gays. Nossa pressa em pensar isso, e querer combatê-lo tem muito de analidade problemática, medo de perder o controle das próprias fezes que vira impulso de controle social. Nada mais paranóico do que quem se diz "heterossexual".

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