sexta-feira, 13 de junho de 2014

Ruth Sheherazade

Ruth e Raquel eram da novela Mulheres de Areia, dos anos 90. A coisa era mostrada como se fosse simples: Ruth, a gêmea boa, cuidava de todos, especialmente do pai e do Tonho da Lua. Era doce e ingênua. Raquel prejudicava os outros por orgulho e dinheiro. Roubava os pretendentes da Ruth, mentia para o Tonho, etc. Elas tinham o mesmo rosto: o da Glória Pires. Mas suas personalidades eram opostas. Tão opostas que, pensando eu, agora, podem estar numa mesma pessoa. Alguém pode ser doce com todos, e estar enganando-os. Ou não, pode agir por orgulho, mesmo sendo doce, e não ter medo de ter as coisas. Várias misturas são possíveis. Raquel Sheherazade não parece misturada. As falas dela são de um mesmo conservadorismo, moralismo e autoritarismo que você vê na boca do Bolsonaro, do Feliciano, e de um monte de gente. A personalidade dela se mostra como pronta, acabada, e até compartilhada com essas outros indivíduos. A diferença com a novela é essa: não é mais o mesmo rosto, com personalidades diferentes, mas a mesma personalidade em rostos diferentes. Perceberam que ela é tão absurdamente má, como um personagem mal escrito, e que calhou de ter o mesmo nome da Raquel, da novela, que tascaram a Ruth Sheherazade, que é boa, boa demais, chegando a ser insuportável, embora seja um antídoto necessário para exorcizar a Raquel. Em sua página, pelos comentários dá pra ver que misturam-se pessoas que gostam e que desgostam da Raquel. Os que desgostam dela, não apenas riem, mas pensam nas opiniões da Ruth, que aparecem como humor, mas que são opiniões: pela defesa do reconhecimento de outras formas de família; que as opiniões do Olavo, da Raquel incitam o ódio e não são boas, etc. Para os que gostam da Raquel, aquilo da Ruth é humor e pronto. Não interfere no discurso da Raquel, que continua o sério e o certo, quando se quer falar sério. Muitos ali na página não viram a novela. Os que riem e aproveitam o riso que a Ruth provoca, para mover o próprio pensamento, falam o sério divertindo-se, ou riem do sério, deixam leve um discurso que quer vencer por se apresentar como sério demais. Gente como Raquel quer ser a seriedade encarnada, angariando o apoio de gente que precisa de um pensamento sem complicação de interpretações, teorias, metáforas. Um pensamento que seja simplista, identifique rapidamente amigos e inimigos, leve à rápida denuncia destes, e responda, sem pensar, ao que acontece. Quem aproveita a Ruth pra rir da Raquel, desmoraliza essa moralização. Sabem que as coisas requerem análises caso a caso, e que é bom fazer a ação esperar. Estes, podem não ter visto a novela, não saber o porquê das fotos do Marcos Frota com cara de louco, apontando a Raquel e chamando-a de má, mas estão mais próximos do traquejo necessário para se ler bem personagens, sem fazerem-nos se empobrecerem mais do que já aparecem pobres. E quem apóia a Raquel, não adianta ver novela nenhuma, ler livro nenhum, que tudo é a mesma coisa de sempre, não pensada e respondida com ação má, se achando a ação boa e certa.

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